Crônica: Os novos capitães da areia

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Por Leonardo Nogueira, em 31/08/2021 às 07h

Vim lendo Capitães da Areia no BRT, sentido Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Um livro que fala sobre o abandono e descaso governamental para com as crianças que viviam nas ruas da Bahia, na primeira metade do século 20. Uma verdadeira crítica ao sistema que desconsiderava a pureza dos pequenos que corriam e enfrentavam os perigos da cidade pela sua própria sobrevivência.

Olhei ao entorno e me passou uma crítica: na época, os capitães da areia eram o sinal do descaso estatal para com seus menos favorecidos, os pobres. Assim como estes que me cercam, que tomam esse meio de transporte lotado em uma noite de sábado chuvosa, com um olhar de cansaço e desamparo – em época de pandemia, diversos sem máscara, contagiados pelo pensamento de “ pior que tá não fica”.

Se me permite um aparte, eu até compreendo o tal pensamento. Para quem leva tanta porrada diária, o que é mais uma? – por mais que saiba o poder letal do vírus que, até o momento, tirou mais de meio milhão de vidas brasileiras e que o atual presidente do executivo brasileiro, erroneamente, cuspiu ser uma “gripezinha”.

Desde 1937, data de lançamento do livro feito pelo grande Jorge Amado, o governo olha para essas situações cotidianas que passamos como “apenas mais uma”. Por mais que os discursos políticos encantadores pareçam se voltar a resolução dessas pendências, as práticas e ações preconceituosas impostas pelo sistema nos mostram que ainda estamos abandonados, na rua, correndo por nossa própria sobrevivência, para alcançar direitos mínimos e fundamentais para se ter qualidade de vida.

Deixo claro que esse texto não é apenas mais uma crítica sobre a atuação dos nossos representantes do legislativo e do executivo. É o desabafo de quem encontra Sem-pernas, Professores, Pedros bala, entre outros personagens da obra, em diversas crianças pelo bairro onde fui criado, nos parentes que me cercam e amigos que, durante a infância, dividiram tantos momentos de felicidade ao meu lado.

Um recado ao autor: Mestre Jorge, rompi o véu social que me tampava os sonhos de tornar uma voz influente nessa sociedade, mas percebo que sua obra, que chegou a ser apreendida e queimada pela polícia do Estado Novo, foi criticada, apontada e reverenciada por muitos, mas não lida por quem precisa aprender com a sua literatura sobre as vivências dos meninos que viviam em um trapiche velho na Bahia de todos os santos do século XX.

Triste, lhe digo que ainda estamos no mesmo pé. Onde a ascendência social, intelectual e monetária de um periférico, continua acontecendo apenas em casos isolados.

A Bahia dos Capitães da Areia tem muito a ver com o BRT, que tem como destino um dos últimos bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Lá e aqui, sonhos de favelados são minados todos os dias, enquanto bandidos de colarinho riem dentro de seus escritórios no centro da subjetiva cidade maravilhosa. O século e o estado são distintos, mas as angústias, dores e abandonos são análogas.

Abraços de um leitor que se entristeceu ao ler sua obra e, ao analisar o contexto social que o cerca, percebeu que não se evoluiu tanto desde a publicação do seu livro.

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