Da Escola Bahia às 50 escolas: o impacto da mobilização comunitária na educação na Maré

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A mobilização e articulação dos moradores e movimentos sociais tiveram um papel crucial na atual configuração da educação no conjunto de favelas

Edição #163 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Henrique Gomes 

“Aqui na Favela da Baixa do Sapateiro, só ouvimos falar de Juscelino e Jango. Todos vão votar neles, pois prometeram atender às nossas reivindicações. Eu não sei ler, mas não podem me tirar o direito de reclamar ou pedir medidas de salvação para os moradores desta favela, principalmente para as crianças. Eu não posso votar, mas posso lutar para que J-J instalem escolas para nossos filhos.” 24 de setembro de 1955 – Jornal Imprensa Popular

A mobilização e a participação popular pela educação sempre foram almejadas pelas classes populares, como exemplificado no trecho acima da matéria escrita pelo jornalista Diógenes da Costa, com a fala de Dona Maria José Marques, moradora da Favela da Baixa do Sapateiro. Esse exemplo de mobilização mostra a importância daquela população num período em que as pessoas não alfabetizadas não tinham o direito de votar, o que só aconteceu a partir de 1985.

Em 1955, ano da matéria, o Conjunto de Favelas da Maré ainda não era formalmente um bairro e, naquela década, o entorno da Maré contava apenas com uma unidade escolar: a Escola Bahia. 

Atualmente, as favelas da Maré contam com 50 escolas públicas, sendo 46 municipais e quatro estaduais, onde estudam 17.355 alunos na rede municipal e 2.457 na rede estadual, num total de 19.812 estudantes (Censo Escolar 2013). Ao longo de todos esses anos, a mobilização e articulação dos moradores e movimentos sociais tiveram um papel crucial na atual configuração da educação no conjunto de favelas. Não apenas pela quantidade de escolas, mas, sobretudo, pelas relações estabelecidas entre as escolas e a comunidade. 

Educação e samba

Uma das primeiras escolas do Conjunto de Favelas da Maré foi a Escola Nova Holanda, criada junto com o Centro de Habitação Provisória da Nova Holanda, em 1962. A instituição, por muitos anos, foi o ponto de referência do Estado no território, funcionando como ponto de campanha de vacinação, até um dos primeiros espaços de alfabetização de jovens e adultos, organizado em conjunto com a Associação de Moradores da Nova Holanda na época.

Em uma matéria de 1984 do jornal O Globo, a professora Ivanise, narra a relação dos alunos com a Escola Nova Holanda e o bloco carnavalesco da comunidade: o Mataram Meu Gato.

“’Escola também ensina a ler com atabaques e tamborins.’ Ivanise conta que sabia ser necessário procurar um caminho novo e começou a perguntar qual seria ele para seus alunos. ‘Eu já tinha percebido’, conta, ‘que a música, principalmente o samba, era muito importante para todos eles, que saíam no bloco ‘Mataram meu gato’. Passavam horas cantando sambas-enredo ou batucando nas carteiras.’ A professora, que prestava atenção aos alunos em busca de algum caminho, pediu então que eles levassem para a escola alguns instrumentos.’” 08 de abril de 1984 – Jornal O Globo

Novo modelo

A partir da eleição vencida por Leonel Brizola para governador do estado, em 1982, uma das principais iniciativas daquele governo foi a implantação do novo modelo de educação baseado no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), popularmente apelidado de Brizolão. O equipamento contava com uma estrutura de funcionamento para manter os alunos em tempo integral na escola.

Na Maré, foram construídos sete CIEPs que, durante muito tempo, foram a porta de entrada para a educação infantil e para múltiplas atividades comunitárias. Um exemplo foi a organização de um ciclo de debates realizado pela Associação de Moradores da Nova Holanda junto à direção da escola na época:

“A favela organizou até o ciclo de Debates ‘Nova Holanda Reflete’ – na verdade uma retrospectiva dos melhoramentos conseguidos na favela através da Associação de Moradores, com uma avaliação dos problemas da comunidade.” 09 de junho de 1988 – Jornal do Brasil

No contexto das iniciativas de mobilização ambiental e educacional no Rio de Janeiro, a Favela da Maré se destaca como um exemplo de inovação e participação comunitária. Em 1992, o Ciep Gustavo Capanema, localizado na Vila do Pinheiro, implementou um projeto pioneiro de coleta seletiva de lixo. A iniciativa se destacou pelo impacto causado dentro da comunidade e o papel que teve na promoção da educação ambiental, evidenciado no trecho da matéria a seguir:

“Uma das iniciativas pioneiras de coleta seletiva de lixo no Rio de Janeiro, que vem influenciando outras unidades, começou no ano passado, no CIEP Gustavo Capanema, na Favela da Maré. Ali, como parte de um projeto de fazer uma educação participativa, estudantes, pais de alunos e professores têm realizado o trabalho com excelentes resultados.” 02 de fevereiro de 1992 – Jornal O Globo

Comunidade na escola

Da importância da construção participativa dentro da escola, Amarildo Baltazar, que foi agente de educação na Associação de Moradores da Nova Holanda durante os anos 1980, participou da construção de uma cartilha para as creches comunitárias, falando da importância do conhecimento e experiência das crianças das favelas, como aparece na matéria sobre o lançamento da cartilha:

“Voltado para o professor, o trabalho preocupa-se em garantir o acesso das crianças ao conhecimento teórico, sem menosprezar sua cultura e saber próprios. Para Amarildo, a escola tradicional subestima os conhecimentos das crianças, principalmente as das classes populares, com métodos e elementos pedagógicos alheios a seu cotidiano.” 11 de outubro de 1992 – Jornal O Globo

Mais recentemente, o fórum das 16 associações de moradores da Maré, produziu um documento diagnóstico com as demandas do conjunto de favelas chamado: “A Maré que Queremos“, construído com dados e informações levadas ao prefeito Eduardo Paes, na época da construção do Campus Maré – tendo como base este documento. 

As iniciativas na atualidade ajudam a fortalecer a educação na Maré, como a Carta da Educação construída durante o Seminário de Educação – que reivindica a importância de ter uma CRE (Coordenação Regional de Educação) somente para a Maré – uma luta das escolas do conjunto de favelas. 

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