De Maria Angu a Novas Formas de Fazer Arte: a Maré é solo fértil

Data:

Pâmela Carvalho

Grupo Atiro, Preta Rainha Bee, Mc Natalhão, Roda Cultural do Parque União, R2O, Maré Crew, DJ Lasanha, DJ Renan Valle, DJ Polyvox, Grupo Fundamental, Grupo no Lance, Grupo Nova Raiz do Samba,  GRES Gato de Bonsucesso, Karoll Silva, Capoeira Ypiranga de Pastinha, Fagner França, Cia Marginal, Jonas Willame, Banda Balboa, Rodrigo Maré, Banda Lanlan e os cometas, Coletivo Maré Vive,  Coletivo na Favela, Roça Rio, Cadu Barcellos, Raphael Cruz, Oscar Rack, Codazzi IDD, Maré Long Board, Geandra Nobre, Projeto Amarévê, MC Jessi, Projeto todo dia uma foto linda do Complexo da Maré, Jean Azuos, Ativa Breakers Crew, Entre lugares Maré, Marcos Diniz, Kamilla Camilo, Priscilla Monteiro, Matheus Affonso, Douglas Lopes, Maré de Capoeira, Jeniffer Rodrigues, Quilombo Etu, Geisa Lino, Jéssica Pires, Beatriz Virginia, Coletivo Papo de Laje, Andreza Jorge, David Magalhães, Luciana Barros, Jonathan Panta, Bira Carvalho, Paulo Victor Lino, Jaqueline Andrade, Alan Muniz, Coletivo Rock Em Movimento, Carlos Marra, Arcasi, Nzaje, Garotas Rockeiras da Maré, Bhega Silva, Irven Oliveira, Wallace DJ, Rick Xavier, Alessandro Fercar, Renato Cafuzo, Marllon Araújo, Luana Pinheiro, Leskiil, Matheus Araújo, DJ Lekinho, Larissa Lima, Elmer Peres, Pablo Marcelino, Maré Batuque, Matheus Frazão, Kastelane, Mulheres ao Vento, João Paulo Rodrigues, Gilson Jorge, Luyd Carvalho, DJ Gabi Lino, Slam Maré Cheia, Matheus Benny, Carolina Aleixo, Milena Vital, Rainha do Verso, Darling, Francisco Valdean, Cristine Jones, Laerte Breno, Os 3 forrozeiros, Thiago Mala, Pedro Amaral, Marcos Aprígio, Los Chivitos, Patrick Mendes, Black old Records, Coletivo Skate Maré, Gui Coruja, Gizele Martins, Orquestra Maré do Amanhã, Ana Pisponelly, Espaço Tijolinho, Amanda Baroni, Douglas Barreto, Wallace Lino, Vitor Félix, MC Rodson.

Esses 110 nomes pertencem a alguns dos artistas, produtores, coletivos, comunicadores e “fazedores” de arte e cultura do Conjunto de Favelas da Maré.

A Maré é maior do que  vários municípios do estado do Rio, como Valença, Seropédica e Saquarema, tendo cerca de 140 mil moradores. Só isso já seria uma informação relevante para tentarmos acompanhar o enorme fluxo de produções artísticas neste território. Porém, a história do Conjunto de Favelas da Maré, se mistura com a história de uma série de iniciativas políticas, sociais, artísticas e culturais desenvolvidas em suas 16 favelas.

Em 7 de dezembro de 1979 é fundado o Bloco Boca de Siri, que deu origem ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Siri de Ramos. Localizado na Comunidade Roquete Pinto (próximo ao Piscinão de Ramos), a Escola carrega o verde e branco de sua madrinha, Imperatriz Leopoldinense, sediada em Ramos.Em 2015 o “Siri” cantou:

Vou mergulhar e viajar

O tempo voa, me guia

A praia de Maria Angu

Hoje é um mar de alegria

Riquezas do meu litoral

E a sintonia do mar na areia

Um porto se instalou na região

Navio vai a maré cheia

Enfim veio a modernidade e assim fluiu

Até a variante se tornou Brasil

As dunas encantavam e davam o tom do meu lugar

É ela que entre becos e vielas surgiu favela, ô, favela

Pier da Praia de Maria Angu, em 1929. Foto: Augusto Malta.

O samba composto por Edinho, Lucas Moreno, Claudinho Do Pagode, Licinho, Diego Martins e Canindé e interpretado por Jefão, remonta ao tempo da Praia de Maria Angu. Tal praia tinha um porto de onde escoavam produtos agrícolas para o restante da cidade. Há duas teorias para o nome do local. A primeira afirma que ele se deve a uma mulher negra que ali residia e que vendia iguarias como angu. Já a outra aponta para a relação de um pássaro que se chamava Mariangu. Ambas as teses revelam traços das raízes negras e indígenas do local. A praia foi aterrada no período de construção da atual Avenida Brasil e em um dos seus trechos localiza-se a Praia de Ramos.

No início da década de 1960, moradores da Favela do Esqueleto e do Querosene, migram para a Maré. Assim, se unem a moradores da Nova Holanda e acabam por organizar encontros de samba e descontração. Surge então o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Nova Holanda, que posteriormente é rebatizado como “Mataram meu gato”. O gato continua na narrativa, dando origem a escola de samba que nos últimos tempos ficou conhecida como “Gato de Bonsucesso”.

Esta breve história de duas agremiações que tem o samba como carro chefe nos traz elementos importantes para pensarmos a produção cultural contemporânea na Maré. O samba deu o tom de discussões políticas, territoriais e de resistência. As populações negras, indígenas e de origem nordestina costuram a narrativa cultural da Maré de forma única. E a intensa realização de eventos, composições e produções de alta qualidade impulsionam um calendário de atividades artísticas que duram a semana toda.  Do rock ao funk, é possível em um único final de semana observar diversos eventos que movimentam a economia e as artes locais. Este fluxo foi interrompido pela pandemia de Covid-19.

Muitas vezes as crises abalam estruturas e nos forçam a ver relações que de alguma forma estavam embaçadas.  Após uma grande crise, o Gato de Bonsucesso passa a se chamar “Acadêmicos da Maré” para não ficar impedido de desfilar. A questão, que revela a triste face do ínfimo incentivo dado às pequenas agremiações, mostra também um importante debate territorial que tem voltado à pauta durante a pandemia: a não identificação de moradores, projetos e iniciativas com o nome “Maré”. Mesmo com a quadra situada na Rua São Jorge, no coração da Nova Holanda, o Gato era de Bonsucesso. Assim como centenas de moradores que moram na Maré porém ao informarem seu endereço afirmam que moram em Bonsucesso. Este é um dado relevante quando pensamos os casos e óbitos de Covid-19 na Maré. Os números podem ser muito maiores do que os oficiais. E um dos motivos para isto é a não identificação de centenas de moradores como residentes do bairro Maré.

Durante a pandemia de Covid-19 observo um outro momento importante na história da arte e da cultura na Maré. A classe artística foi a primeira a sofrer o impacto do isolamento social e da proibição de aglomerações. Assim, sofreram grandes impactos econômicos e sociais. Na contramão da redução das oportunidades de trabalho, a Maré tem lançado chamadas públicas, chamadas internas, mobilizações virtuais voltadas para o campo da arte e da cultura.

Uma delas é a chamada pública “Novas Formas de fazer arte, cultura e comunicação nas favelas” lançada pela Redes da Maré em parceria com o Itaú Cultural e o People’s Palace Project. Serão 31 projetos de diversas manifestações artísticas e culturais que irão receber entre R$ 3.000,00 e R$ 10.000,00. O People’s Palace Project também apoia o projeto “A Maré de casa” que convoca moradores a enviarem fotos e textos mostrando o que observam de suas janelas durante a pandemia. Os cinco autores mais votados também receberão premiação. Outra é a chamada interna “Corpo em Isolamento” lançada pela Redes da Maré em parceria com o Instituto Moreira Salles, voltada para alunos da Escola Livre de Dança da Maré, também com premiação para trabalhos e relatos que trazem reflexões sobre o corpo durante a quarentena.

A Frente de Mobilização da Maré também tem usado a arte urbana – em especial o grafitti – para se expressar e ressignificar suas produções durante a crise. O grupo faz diversos painéis informando sobre a Covid-19 e realizando comparativos entre a situação mundial e a da Maré. Há também uma versão online.

Muitos artistas são vistos como os “gurus” do mundo, aqueles que darão o tom dos novos tempos. Que produzirão poética em meio – ou após – o caos. São também aqueles que com suas produções tem deixado a quarentena menos tediosa para todos e todas nós. Mas é necessário dizer que para fazer arte é necessário estar de barriga cheia. E iniciativas de geração de renda para artistas (em especial oriundos de favelas e periferias), a meu ver, apontam para um caminho essencial, de distribuição de renda e valorização de setores trabalhistas historicamente marginalizados como artistas e produtores de cultura.

SOBRE A AUTORA:

Pâmela Carvalho é educadora, historiadora, gestora cultural, comunicadora, pesquisadora ativista das relações raciais e de gênero e dos direitos de populações de favelas. É Mestra em Educação pela UFRJ. É coordenadora do eixo “Arte, Cultura, Memórias e Identidades” da Redes de Desenvolvimento da Maré. É moradora do Parque União, no Conjunto de Favelas da Maré.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.

Redução da escala 6×1: um impacto social urgente nas Favelas

O debate sobre a escala 6x1 ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas, impulsionado pela apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe a eliminação desse regime de trabalho.