Como se prevenir da doença que mata por ano 800 mil pessoas de todas as raças, sexos, crenças e classes sociais no mundo
João Ker
Ela atingiu 322 milhões de pessoas entre 2005 e 2015, um aumento de 18% ao longo desses 10 anos. É também a maior responsável pela incapacitação profissional em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Já foi chamada de Mal do Século e, mesmo entre países mais desenvolvidos e economicamente mais estáveis, cerca de metade dos seus enfermos sequer sabe que está com a doença. São essas as cores que pintam o quadro assustador da depressão em 2017. Mas se esse transtorno tem mostrado uma abrangência tão assustadora nos últimos anos, por que o acesso à informação e ao seu tratamento continuam tão precários em todo o mundo, inclusive no Brasil, País com maior incidência dos casos em toda a América Latina?
“A saúde mental ainda é um dos problemas mais complicados no que se refere à saúde pública no País”, aponta Sérgio Gomes, Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-Rio e Supervisor de Estágio do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E, de fato, são 11,5 milhões de brasileiros que são acometidos por esse distúrbio, o que equivale a quase o dobro da população do Rio de Janeiro. Entretanto, um dos principais impasses no combate à depressão é a própria identificação da doença, uma vez que seus efeitos e motivos podem ter as mais diferentes origens, onde “cada caso é um caso”. “Tudo vai depender de como a pessoa reage aos seus sintomas. Por definição, a depressão é um distúrbio afetivo que pode acometer qualquer pessoa saudável. Os sintomas mais comuns são a tristeza, o pessimismo, a autoestima diminuída e, não raro, todos esses ao mesmo tempo”, explica Sérgio, ressaltando que o prolongamento dessas manifestações por mais de duas semanas já configura um quadro preocupante.
Claro, há uma grande diferença entre a tristeza “comum”, aquela que aparece ao longo do dia em situações específicas, e a depressão como doença diagnosticada no ser humano. Então, o que faz com que uma pessoa comum e saudável se torne depressiva? “Pode se tratar de variações químicas no cérebro, principalmente no que se refere ao nível de neurotransmissores – ou seja, hormônios do bem-estar, tais como a serotonina e a noradrenalina e, em menor proporção, a dopamina. Todas essas substâncias transmitem impulsos nervosos entre as células e podem se encontrar diminuídas, causando a depressão”, observa Sérgio.
Decepções gerais também podem desencadear uma reação mais intensa do organismo, inclusive serem o passo inicial na diminuição desses hormônios necessários ao cérebro. “A depressão pode ser causada por algum fator interno que pode ou não ser um reflexo de fatores psicológicos ou sociais. Perda de um parente próximo, final de um relacionamento, perda de um animal de estimação, demissão, reprovação na escola ou em alguma matéria na faculdade, etc. Quando isso acontece, precisamos verificar a idade e a vida cotidiana da pessoa, para identificarmos os fatores causadores da depressão e tentar ajudar na recuperação do que provocou isso”, aponta o psicanalista.
Após identificada a doença, é hora de procurar o tratamento. E, novamente, ele vai depender das particularidades de cada caso, na maioria das vezes combinando um tratamento entre psicólogo e psiquiatra. Mas além do uso de remédios, há algumas outras linhas que podem ser seguidas para combater a depressão, como fototerapia (exposição à luz intensa) e terapia comportamental.
Dentre todas as alternativas possíveis, encontra-se a psicanálise, linha defendida por Sérgio: “a aposta psicanalítica é que tenhamos uma escuta para o sofrimento do sujeito que nos procura e possamos ajudá-lo a compreender os motivos reais que o levaram a desenvolver seus sintomas depressivos. Quanto a isso, temos pontos positivos e negativos. O positivo é que buscamos entender as razões inconscientes que fizeram com que esse indivíduo desenvolvesse a doença, vamos direto na raiz do problema. Logo, o analista deve ser mais ativo em suas intervenções. O ponto negativo, para alguns, é o fator tempo. Mas eu divirjo disso: nem sempre um tratamento psicanalítico é longo demais. Isso depende do paciente e depende da sensibilidade do analista”, argumenta.
A existência de abordagens mais alternativas também é possível, principalmente quando há a relutância do paciente quanto aos efeitos colaterais dos remédios ou até mesmo a impossibilidade financeira de manter o tratamento da forma apropriada: “não devemos desconsiderar outras opções para a melhora dos sintomas, como uma alimentação saudável, exercícios físicos e um apoio social para a pessoa deprimida, sobretudo quando não se quer fazer uso de medicamentos”, afirma.
Suicídio: o ponto final da depressão
No último 20 de julho, a notícia de que Chester Bennington (1976 – 2017), o vocalista da banda Linkin Park, havia cometido suicídio com apenas 41 anos de idade pegou o mundo de surpresa. Dois meses antes, o mesmo tipo de questionamento foi levantado quando Chris Cornell (1964 – 2017), líder dos grupos Soundgarden e Audioslave, suicidou-se em um quarto de hotel. Antes deles, outros ícones como o humorista Robin Williams (1951 – 2014) e Kurt Cobain (1967 – 1994), do Nirvana, também haviam encontrado o mesmo destino.
De acordo com a OMS, 800 mil pessoas se suicidam por ano em todo o mundo. Isso dá no mesmo que uma morte a cada 4 segundos, em que é inegável a ligação da grande maioria com a depressão e seus possíveis desdobramentos. Como forma de combater e mudar essa realidade, a Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio criou o “Setembro Amarelo”, campanha mundial de conscientização, cujo objetivo é alertar a população para essa realidade e que funciona no Brasil desde 2014.
Depressão é doença, não é frescura. Não precisa de sexo, raça, credo, origem ou poder aquisitivo específicos para se desenvolver em uma pessoa. “O estigma também não se importa com quem você é. De repente, todas as pessoas que deveriam estar te amando e cuidando de você, te tratam como um nada”, relatou a cantora irlandesa Sinead O’ Connor, em um vídeo emocionante, no qual desabafa por mais de 12 minutos sobre a sua própria experiência pessoal com o distúrbio.
Como mencionado por ela, ao discutir a depressão é impossível não tocar no estigma social e no isolamento que seus enfermos sofrem por grande parte da sociedade, muitas vezes sendo incompreendidos no trabalho, no convívio entre amigos e também no âmbito familiar. Não à toa, o tema da última campanha mundial lançada pela OMS foi “Depressão: Vamos conversar”. Com a abertura de um canal para o diálogo, o órgão pretende não apenas disseminar os possíveis tratamentos e curas para o transtorno, mas também fazer com que a discussão não tenha o atual tom de “tabu”. Mais ainda: a assistência psicológica que um amigo ou um parente podem dar ao depressivo é fundamental e inestimável para que ele consiga sair do buraco.
Em tempos nos quais a forma como nos relacionamos uns com os outros tem mudado na velocidade da luz graças à internet, amigos e familiares de adolescentes precisam ter um olhar mais apurado e atento para conseguirem abrir um canal de diálogo com esses jovens. Smartphones, redes sociais e a constante exposição a estilos de vida e padrões inatingíveis e superficiais de felicidade também funcionam como um golpe diário na autoestima, que naturalmente já passa por um estado frágil nessa faixa etária. Por isso, é importante lembrar que a luta de um depressivo para vencer a doença é semelhante a de um dependente químico: um esforço diário, que requer perseverança e foco constantes para não cair de volta na mesma armadilha. A depressão é como uma nuvem cinza pairando no céu que, para quem já a sentiu, está pronta para chover a qualquer momento.