Desemprego cai, mas com salários e direitos reduzidos

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Mulheres e pessoas negras sofrem mais com a falta de emprego do que o restante da população

Por Jorge Melo

A taxa de desemprego no país ficou em 9,1% no trimestre encerrado em julho — menor do que no trimestre anterior, finalizado em abril, que foi de 10,5% — registrando queda em 22 dos 27 estados. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

É o menor índice da série histórica desde o trimestre encerrado em dezembro de 2015, quando também foi de 9,1%. Três milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho, sendo 1,1 milhão na informalidade. A PNAD Contínua é um dos principais instrumentos para monitoramento da força de trabalho no país

Se a queda do desemprego pode ser considerada uma boa notícia, no mesmo trimestre o país contabilizou 9,9 milhões de pessoas de 14 anos ou mais que buscaram por vagas no mercado de trabalho, sem sucesso. 

Desigualdade se mantém

A proporção de trabalhadores domésticos com carteira assinada diminuiu em 14,7%; entre os que já trabalhavam sem carteira assinada (diaristas, por exemplo), a redução no desemprego foi de 1,4%. Esses números mostram bem o perfil de um setor que sempre contou com um grande contingente de trabalhadores informais. 

Apesar da queda generalizada na taxa de desocupação, a diferença entre homens e mulheres ainda é grande. Segundo a PNAD Contínua, a taxa de desocupação de homens (7,5%) ficou abaixo da média nacional (9,1%). Já a taxa das mulheres desempregadas ficou acima: 11,6%.

O fator desigualdade também influenciou na hora de encontrar um novo trabalho, seja ele formal ou não. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação das pessoas brancas foi de 7,3%, ou seja, abaixo da média nacional, ao contrário da taxa entre pessoas pretas (11,3%) e pardas (10,8%).

Sem carteira assinada 

João Pedro, de 22 anos, é solteiro, mora com a mãe na Nova Holanda; e trabalha como vendedor. No início de agosto conseguiu emprego, numa loja de roupas na Maré. O salário é de R$ 800, mais 5% de comissão por cada venda realizada. No entanto, sua carteira não foi assinada pelo novo empregador. 

João estava desempregado desde outubro de 2021 e conseguiu se recolocar por indicação de uma prima. “Enquanto procurava, recebi auxílio- desemprego por um tempo. Estou ganhando mais ou menos o mesmo salário, mas faz diferença não ter a carteira assinada.” 

O novo emprego de João Pedro está contemplado na pesquisa do IBGE. No recorte por idade, a taxa de desocupação de jovens de 18 a 24 anos recuou. Era 22,8% no primeiro trimestre e caiu para 19,3% no segundo trimestre. Segundo a coordenadora do PNAD Contínua Adriana Beringuy, “foi, entre as faixas etárias, onde a desocupação mais caiu. Mas ainda sim, é uma taxa bastante elevada, bem acima da média”, diz.

Desemprego e informalidade

O número de trabalhadores informais, estimado em 39,3 milhões, também foi o maior da série histórica, iniciada em 2015. Na comparação com o trimestre anterior houve um crescimento de 2,8%, o que representa mais 1,1 milhão de pessoas. 

Simone Oliveira, de 53 anos, vive nessa divisa entre o desemprego e o trabalho informal. Está desempregada há sete meses e há cinco anos não tem carteira assinada. No último emprego, como auxiliar de creche, trabalhou por seis anos: “Adorava esse trabalho por causa do cuidado e da aproximação com as crianças. Não tinha carteira assinada, era um contrato com a prefeitura.” 

No momento, Simone está trabalhando na campanha de um candidato a deputado, “bandeirando” — uma atividade que paga diárias de R$ 50,00 a R$ 80,00 — de 8h ao cair da noite. É um trabalho temporário e sem registro, mas Simone não perde as esperanças: “Estou buscando uma oportunidade de voltar à minha área porque é uma atividade com a qual me identifico.” 

Estima-se que o número de trabalhadores por conta própria, somados formais e informais, é de 25,7 milhões, o maior contingente desde 2012 para um trimestre encerrado em junho. Houve crescimento de 1,7% (431 mil pessoas) frente ao trimestre anterior.

O marido de Simone, João Henrique, vive a mesma situação dela. Tem 51 anos e não consegue emprego formal há cinco, e faz “bicos” para sobreviver. Técnico em logística, a última experiência profissional durou apenas dois meses, sem carteira assinada. Ele trabalhou como Micro Empreendedor Individual (MEI), mas, mesmo assim, “o patrão achou o custo de me manter muito alto”. Ao contrário de Simone, João Henrique não acredita que vá conseguir trabalho como técnico em logística: “Está muito difícil.” 

Comércio e endividamento

Segundo o IBGE, os setores que mais contribuíram para a redução do desemprego foram o comércio e a administração pública, principalmente nas áreas de saúde e educação.  Adriana Beringuy observa que “nenhum grupo de atividade econômica apresentou perda de ocupação. Ou seja, todos os setores adicionaram pessoas ao mercado de trabalho”.

O desempenho do comércio não é casual. Em março, pressionado pelas lideranças do setor, o governo federal antecipou o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas, além de autorizar saques de até R$ 1 mil nas contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). 

Segundo o governo, a antecipação do 13º injetou na economia R$ 56,7 bilhões.  A primeira parcela, de 50%, foi paga entre os dias 25 de abril a 6 de maio, e a segunda, de 25 de maio a 7 de junho. A liberação de saques do FGTS de até R$ 1 mil totalizou, entre abril e junho, R$ 30,9 bilhões. 

O economista Daniel Ribeiro de Oliveira, professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), acredita que essas medidas surtiram efeito, inclusive no mercado de trabalho. 

“Elas permitiram um aumento da demanda de forma direta sobre o comércio e tendem a gerar efeitos sobre os demais setores da economia. Contudo, dado o grau de endividamento das famílias, o impacto que se percebe é um pouco menor, pois uma parte importante desse recurso acaba indo para o pagamento de dívidas já contraídas”, explica.

Que emprego é esse? 

Em março, pressionado pelas lideranças do setor, o Governo Federal antecipou o pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas – Foto: Elisângela Leite

Segundo a economista e professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Célia Kertenetzky, o aumento do número de pessoas ocupadas esconde uma série de situações preocupantes: “Para começar, o aumento de postos de trabalho do setor privado sem carteira assinada, de 6,4%, foi mais importante que do que em empregos com registro em carteira, de 2,4%.”  

Ela lembra ainda que “carteira assinada, depois da reforma trabalhista, representa um vínculo com menos estabilidade e segurança econômica. Então, entre os novos formais está um contingente de trabalhadores com vínculos parciais ou intermitentes e com remunerações mensais muito baixas ou instáveis”. 

Daniel Ribeiro de Oliveira explica que o conceito de pessoas ocupadas não se restringe ao emprego formal, pois também considera o informal: “A despeito da ligeira melhora no mercado de trabalho, o avanço da informalidade e o baixo crescimento econômico não tem permitido o aumento do rendimento médio real do trabalho, que no segundo trimestre de 2022 registrou queda.” 

No entanto, ele reconhece que há uma melhora na economia: “Tivermos um crescimento do número de empregos no setor privado com carteira assinada associado a uma ligeira queda do quantitativo de pessoas ocupadas informalmente. Isto representa uma melhora no mercado de trabalho.”

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