Como a pandemia expôs lacunas na segurança alimentar das pessoas pretas e pobres
Maré de Notícias #123 – abril de 2021
Por Laerte Breno e Maré Verde
Morador da Maré, graduando em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista, educador popular e organizador da UniFavela, pesquisador e mobilizador social.
O acesso à boa alimentação é um direito assegurado pela Constituição mas, na prática, vivemos outra realidade. Com a pandemia de covid-19 começando em março de 2020, vimos a face mais perversa da desigualdade social e como no nosso território ficou exposto esse cenário da fome. Com isso, surgiram iniciativas de doações de cestas básicas para suprir a questão da insegurança alimentar, tão latente no último ano.
Na Maré, por exemplo, cestas básicas foram distribuídas para mais de 17 mil famílias. Das mais de 12 mil entrevistas sociais, 68% foram realizadas com mulheres pretas e pardas, responsáveis pelo sustento da casa. Dessas, 44% tinham algum problema de saúde em decorrência da má alimentação – e são justamente as mulheres pretas e pobres que mais sofrem com isso. Segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 2017, a diabetes mellitus tipo II atinge 50% mais as mulheres negras do que as mulheres brancas. De acordo com Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), a hipertensão atinge 49,3% dos brasileiros pretos e 30,3% dos brancos.
Uma questão que impacta diretamente a população preta e pobre é o que o doutor em saúde holística africana Llaila Afrika chama de nutricídio, um genocídio a partir do que essas pessoas comem. O conceito fala sobre a degradação da saúde das pessoas que deixam de comer alimentos naturais e optam por aqueles industrializados, de baixo valor nutricional, transgênicos ou com altos índices de agrotóxicos, principalmente diante da alta dos preços dos alimentos básicos.
Entretanto, paga-se um preço por essa escolha. A médio e longo prazo, os consumidores podem desenvolver cânceres, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) ocorrem todo ano 20 mil mortes causadas por herbicidas; no mundo, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos desde 2008.
A nutricionista Elizabeth Dias, 48 anos, moradora do Morro do Timbau, na Maré, reconhece o problema por trás dos números: “Esses dados sobre a população negra podem ser provenientes de um consumo excessivo de calorias e do desequilíbrio de nutrientes, pois estes são fatores que levam a doenças crônicas, como a hipertensão e diabetes. Se levarmos em conta as dificuldades socioeconômicas existentes nas comunidades pela ausência de políticas públicas combativas, a efetivação da segurança alimentar, uma garantia ao direito humano de alimentação adequada, deixa muito a desejar.”
Mas o que é segurança alimentar?
A expressão refere-se ao acesso a alimentos com valor nutricional e na quantidade adequada para uma melhor qualidade de vida. Na prática, vemos como isso é difícil. Com o aumento dos preços, 61% das pessoas que estavam sem nenhum tipo de renda em casa durante a pandemia ficaram sem ter como comprar alimentos. É preciso repensar tanto nossos modelos de monocultura e mercado, como a possibilidade de ter espaços para plantar nossos alimentos e garantir o acesso de todos a escolhas melhores para sua saúde.
Além disso, a nutricionista complementa que “é fundamental que ações de educação alimentar e nutricional sejam desenvolvidas por diversos setores, incluindo saúde, educação, desenvolvimento social, desenvolvimento agrário e habitação, contribuindo, assim, para a melhoria das condições de saúde da população, redução das iniquidades e promoção da qualidade de vida de todos”.Para reforçar o cuidado que você precisa tomar em relação aos alimentos que consome, a Campanha Climão apresenta o material educativo montado por mestrandos da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio) que é crucial para o bem da sua saúde.