29ª operação policial foi a segunda na mesma semana que antecede as festas natalinas
A cronista Marina Colasanti escreveu em 1972 para o Jornal do Brasil: “A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá” esse trecho faz parte da crônica “Eu sei, mas não devia” onde ela narra que a gente se acostuma com o cotidiano, com notícias de guerra e da violência. Mas os moradores da Maré não se acostumam com a violência. Eles afastam a revolta e tentam seguir. E nós do Maré de Notícias também tentamos seguir levando notícias de empreendedorismo, cultura, meio ambiente. Mas hoje (15/12), mais uma vez a Maré foi cenário de uma operação policial, a 29ª em 2023.
Nesta sexta-feira muitas casas da Maré já estão enfeitadas e preparadas para as festas e celebrações de fim de ano. Um concurso é realizado na região, para escolha e premiação da casa mais enfeitada. O último dia foi de festa em muitas escolas, no mesmo espírito de confraternização que ocupa os grupos e comunidades neste período. E em outras tantas escolas aconteceriam também festas nesta sexta. Porém, por mais um dia, a vida de milhares de pessoas que moram ou circulam na Maré foi atravessada pela presença armada e uso da força do Estado, por meio de uma operação policial.
A 29ª operação policial na Maré aconteceu nesta manhã na região do Parque União, Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque Maré, com atuação do BOPE, Batalhão de Ação com Cães e Grupamento Aeromóvel. Os moradores relatam a presença dos agentes policiais desde às 5h da manhã. A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Polícia Militar não informou até o momento do fechamento deste texto, a motivação da operação.
Apesar de, em meados de outubro, o governo do estado do Rio de Janeiro ter anunciado a “Operação Maré” e suas estratégias de asfixiamento dos grupos armados do território para retomada e controle do território, a comunicação sobre operações policiais vem sendo realizada pela própria polícia militar.
Em descumprimento às determinações federais na execução de operações policiais, nesta sexta-feira, não foi identificada ambulância para socorro a possíveis vítimas de confrontos armados na Maré. Muitos agentes policiais também atuaram sem câmeras de monitoramento acopladas em seus uniformes. Algumas invasões de domicílio por parte dos agentes de segurança foram mapeadas durante a operação de hoje.
Por mais um dia, pelo menos 22 unidades escolares não funcionaram na Maré. 7365 alunos da rede municipal de ensino foram impactados com a suspensão das aulas. Esse ano foram 27 dias sem aulas na Maré. Em que outra parte da cidade, estado ou país isso poderia ser naturalizado como efeito de uma política pública?
No entanto, para além do evidente desrespeito indiscriminado a diversos direitos dos moradores da Maré, um intenso sentimento de cansaço é o que resulta de um ano que o Estado se fez presente de forma tão violenta por meio da política de segurança pública.
“Operação todo dia? Como pode? Chegamos a um ponto que isso não nos assusta mais”, comentou o DJ, produtor, compositor e morador da Maré, Renan Valle, no post de alerta no instagram do Maré de Notícias, logo pela manhã.
O cansaço quase faz confundir o sentimento das pessoas que moram na Maré. Não é sobre naturalizar ou acostumar-se com situações de violência. Porém até mesmo a barbárie no cotidiano passa a não ser surpresa. E lamentamos que inclusive às nossas narrativas passam a ser repetitivas ao darmos visibilidade às recorrentes operações policiais que são realizadas na Maré.
Em 2024 o Conjunto de Favelas da Maré completa 30 anos como bairro e queremos comemorar esse número. Não queremos ter que contar a 30ª operação policial que tira direitos dos moradores e que parecem rotina dos noticiários. Por aqui seguimos na contramão, levando informações necessárias para que a Maré continue sendo a morada de tanta gente guerreira, criativa, corajosa e dedicada.