Empresa Outdoor Social revela potência das favelas como mercado consumidor

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Para Emília Rabello, empresária e fundadora do projeto, importância de priorizar agentes de dentro das comunidades é uma das chaves.

Por Jorge Melo, em 25/02/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho

Existem mais de 289 mil comércios registrados nas mais de seis mil favelas em todo o Brasil. Só no G10 das Favelas, bloco das dez favelas consideradas de maior potencial econômico, são 125 mil empresas com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ativo. Embora a população seja um dado importante não é único na definição do G1O, que é composto pelas seguintes favelas: Rocinha (RJ), Rio das Pedras (RJ), Heliópolis (SP), Paraisópolis (SP), Cidade de Deus (AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jurunas (PA), Casa Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF).

No total existem no Brasil 6.329 favelas, segundo dados da Outdoor Social Inteligência, empresa dedicada a pesquisas em periferias. E um potencial de consumo anual de 159 bilhões de reais. São cifras impressionantes.

Há dez anos a jornalista carioca Emília Rabello não tinha esses números mas já conhecia o potencial dos consumidores das classes C, D e E Depois de muita reflexão e a litura do livro O Banqueiro dos Pobres, do economista Muhammad Yunus, Emília decidiu fundar a Outdoor Social, a única empresa brasileira do ramo de outdoors que trabalha exclusivamente nas favelas.

Segundo Emília, a Outdoor Social já nasceu como um modelo de negócio de impacto social, preocupada em aliar o espírito empresarial à melhoria das condições de vida da população. “A gente, por exemplo, prioriza fornecedores locais e os nossos 150 coordenadores são todos das comunidades”

Os coordenadores moram nas favelas

Mohammad Yunus, citado por Emília Rabello, é o criador do Banco Grameen, que inovou ao oferecer um amplo serviço de microcrédito para a população carente do seu país, Bangladesh; país pobre do sul da Ásia, com 164 milhões de habitantes e muitos problemas sociais. O sucesso foi tal que o modelo do banco se expandiu para o mundo inteiro, mostrando-se um forte aliado no combate à pobreza. Por seu trabalho de erradicação da pobreza, Mohammad Yunus ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2006.

A Outdoor Social estuda e planeja com agências de publicidade campanhas veiculadas em mídia externa (painéis outdoor). Coordenadores nas comunidades fazem a ponte com os exibidores, moradores de locais estratégicos, que vão receber placas em seus imóveis e serão remunerados por ceder o espaço. No final das campanhas, as placas são enviadas para cooperativas de reciclagem. Atualmente, a Outdoor Social possui 31.695 pontos de exibição em todo país; 237 deles instalado no Conjunto de Favelas da Maré.

Segundo Emília Rabello, a Outdoor Social trabalha com o conceito de economia circular, no qual todos os envolvidos ganham. Segundo ela, desde 2012 a empresa já gerou renda para cerca de 38 mil famílias em mais de 600 comunidades. Os coordenadores do projeto nas favelas são, geralmente, moradores dos locais onde as campanhas acontecem. Conhecem a região e conseguem desenvolver um trabalho de abordagem do morador e definem onde será feita a instalação do outdoor, além de acompanhar o processo de manutenção e desinstalação.

Alguém que conhece os hábitos das classes C, D e E

A Outdoor Social foi fundada em 2012. No entanto, a ideia que orienta a atividade da empresa surgiu em 2004, quando Emília, sócia de uma agência de representação de vendas, em Brasília, fechou uma parceria com uma empresa de carros de som, contratada pelo governo federal para veicular campanhas informativas em locais onde a mídia tradicional não chegava. Os temas iam de registros de nascimentos à conscientização sobre trabalho escravo no campo.

Emília conta que numa campanha contra o trabalho escravo foi realizada uma ação na qual o Ministério Público ia até a entrada das fazendas e o carro de som avisava a quem estivesse preso que o MP estava ali para acolhê-lo. Em algumas fazendas, de acordo com o relato de Emília, o carro de som foi recebido por tiros. Cinco anos depois, na Amazônia, divulgando programas sociais como o Bolsa Família, a jornalista adaptou um “barco de som”.

A organizadora do projeto lembra que depois desses trabalhos, o mercado publicitário passou a identificá-la como uma comunicadora com acesso direto às classes C, D e E. Isso chamou a atenção de uma operadora de telefonia celular que, em 2012, a procurou porque projetava tornar-se líder de mercado na Baixada Fluminense e nas favelas cariocas. A primeira campanha foi na Rocinha. E como nas favelas o carro de som tem dificuldade de acesso e circulação foram concebidas placas de polipropileno de 2×1 metros, inspiradas nas faixas espalhadas pela favela.

O desafio, segundo Emília, seria convencer os moradores. Essa tarefa, segundo ela, no entanto, foi facilitada pela disponibilidade das pessoas, “A gente chegava na porta casa das pessoas batia, tudo bem? Eu sou Emília ou o coordenador que fosse, a gente quer colocar essa campanha aqui e daqui a um mês a gente vai te remunerar. A gente vai retirar e vai te pagar. E as pessoas confiaram. Tanto que essa rede, que começou muito pequena, foi crescendo pela indicação. Hoje nós temos 150 coordenadores distribuídos pelo país inteiro e uma cobertura nacional de 30 mil pontos em todas as favelas do Brasil, praticamente.”

A Outdoor Social mapeia locais nas periferias, geralmente muros residenciais, e os oferece para as empresas. Na prática, é como se a empresa alugasse o muro mensalmente, e depois do período o anúncio é renovado ou o material retirado e levado para a reciclagem.

Rabello defende que reconhecer as favelas como um mercado consumidor potente, “colossal” é uma forma de mostrar que aquele território é igual aos outros da cidade, que os moradores têm os mesmos direitos que os moradores de outros bairros; é uma forma de vencer preconceitos, e a imagem negativa que, infelizmente muitos têm das favelas, “Ninguém entra na Visconde de Pirajá, em Ipanema, atirando a esmo às sete horas da manhã se estiver realizando uma operação policial.”, lembra ela. “É isso que me revolta e me incomoda e é isso que nós queremos desconstruir.” concluí a empresária.

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