Palco de lutas e conquistas, Escola municipal Nova Holanda completa 60 anos

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O prédio  original  abriga uma creche e escola está em funcionamento no Campus Maré

Por Adriana Pavlova e Hélio Euclides

A esquina das ruas Sargento Silva Nunes com a Principal guarda, há seis décadas, um dos marcos fundamentais da história coletiva e da memória afetiva da Nova Holanda. É ali que há 60 anos foi inaugurada a primeira escola da favela, a Escola Municipal Nova Holanda, uma construção simples com pátio generoso, que desde então serviu de palco para lutas e conquistas dos moradores, atravessando a vida e unindo gerações e gerações de mareenses.

Uma referência tão forte que foi preciso desdobrá-la: hoje, o espaço histórico no coração da Nova Holanda abriga a creche municipal com o mesmo nome que antes funcionava na rua Carlos Lacerda, enquanto a escola foi transferida há quase sete anos para o Campus Educacional Maré. A mudança, no entanto, não afetou uma das suas principais marcas: um lugar acolhedor, que carrega a história de muitas famílias da região.

Ao longo das décadas, o pátio que hoje faz parte da creche foi o principal ponto de encontro dos moradores, dado seu local estratégico e, ao mesmo tempo, amplo. Foi cenário para reuniões que definiram as lutas históricas por infraestrutura, como conta o historiador Edson Diniz, autor do livro Memória e identidade dos moradores de Nova Holanda, ao lado de Marcelo Castro e Silva Belfort e Paula Ribeiro.

“É um espaço historicamente democrático. Nos últimos 50, 40 anos, foi um dos locais mais importantes de reunião dos moradores da Nova Holanda para tudo, de assembleias, reuniões, a festas e aulões de pré-vestibular. É uma referência nas lutas e conquistas pela infraestrutura local, porque era ali que a população se reunia para se organizar para reivindicar água, saneamento, iluminação e asfalto,” explica Diniz.

Imagem histórica do pátio da antiga Escola Municipal Nova Holanda – Acervo NUMIM

A favela de Nova Holanda nasceu no começo dos anos 1960 como um Centro de Habitação Provisória (CHP), criado durante o Governo de Carlos Lacerda, para abrigar moradores removidos compulsoriamente de outras favelas da cidade, à espera de uma nova habitação. A escola seguiu o projeto de construções pré-moldadas de madeira, pequenas, erguidas sobre uma região aterrada, onde, dependendo da configuração, morava mais de uma família. Com o passar do tempo, o que era provisório virou permanente, daí a necessidade e a importância das lutas em busca de melhorias, nascidas das organizações comunitárias, como lembra Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, presidente da histórica Chapa Rosa, que assumiu a Associação de Moradores de Nova Holanda, em 1984, e ela também ex-aluna da escola:

“A escola cumpriu um papel social e afetivo muito importante para a comunidade, atravessando histórias de vida. Inclusive no aspecto pedagógico, porque houve projetos inovadores como a alfabetização de alunos com dificuldades. E seguiu honrando a sua missão e natureza ao passar a abrigar a creche, cuja origem, nos anos 1980, está ligada ao movimento comunitário das mulheres que se organizaram para ter um lugar onde deixar seus filhos.”

O espaço da escola, segundo Eliana, era uma espécie de Centro de Artes da Maré (CAM) do passado:

“Durante muitos anos, a Escola Nova Holanda foi o espaço físico que abrigou um conjunto de atividades que a comunidade demandava. Se fosse fazer uma analogia, seria algo como o CAM, que é um local que abriga muitas atividades para além da sua missão mais ligada à cultura e à arte.”

A assistente social Elza Sousa Silva também estudou na Escola Nova Holanda, mas suas lembranças mais marcantes são os eventos sociais e os encontros comunitários, incluindo as festas organizadas por sua mãe, ligadas à Igreja católica Nova Holanda:

“Não existia outro lugar para encontros e festas. Era uma escola aberta à comunidade, algo muito bonito”, recorda. 

À frente da creche há 19 anos, a diretora Márcia Helena de Azevedo conta que a estrutura da construção segue as características do projeto original. Há um pátio aberto e outro fechado, seis salas, uma brinquedoteca, duas secretarias, cozinha e despensa, que servem a seis turmas, com cerca de 150 alunos no total.  Tudo muito bem cuidado e conservado.

Ex-aluna, Neilde Barcelos chegou à Maré com o primeiro grupo de moradores nos anos 1960 – Foto: Matheus Affonso

Neilde Barcelos é a prova de que a Escola Municipal Nova Holanda se mistura com as memórias das vidas de quem morou ou mora na região. Sua família chegou à Nova Holanda com a primeira leva de moradores, em 1960. Seu pai trabalhou na construção dos barracões do abrigo provisório e,  na escola próxima de casa, Neilde e seus irmãos aprenderam a ler e a escrever. Mais tarde, seu irmão Valderlei, o Papagaio, tornou-se vigia da escola, onde trabalharia por 40 anos, até morrer repentinamente. Não é de se estranhar que na visita à Creche Municipal Nova Holanda,  Neilde tenha ficado com os olhos repletos de lágrimas:

“Ainda me vejo correndo menina nesse corredor, que é igualzinho. Lembro das diretoras dona Marina e dona Thereza, sempre exigentes. O uniforme tinha que ser completo: tênis conga, saia plissada, camisa de tergal. Foi aqui que aconteciam as reuniões para lutarmos pela urbanização da Nova Holanda e a eleição da Chapa Rosa. A escola era o palco para as reivindicações dos moradores. Quando meu filho nasceu, eu vim apresentá-lo às professoras. E quando a Redes ainda não tinha tantas salas, a escola abrigou aulas do nosso Pré-Vestibular”, diz ela que é tecedora da Redes da Maré.

A química e professora Andréa da Rocha foi durante fins dos anos 1970 e início dos 1980 a mascote da Escola Municipal Nova Holanda. Filha caçula da merendeira Marlene, ela começou a frequentar a escola que ficava em frente da sua casa ainda muito pequena, acompanhando a mãe. Costumava bater nas portas das salas para avisar que era hora da merenda e, assim, mesmo sem ter idade, começou a assistir às aulas como ouvinte. Virou xodó da diretora dona Marina Siqueira Tavares das Neves, da adjunta Thereza Kalil e das professoras. Tornou-se oficialmente aluna da escola e, como suas notas eram tão boas, ao terminar o antigo primário, garantiu uma vaga no Pedro II. E não deixou de ir todos os dias à Escola Municipal Nova Holanda:

“A Escola Nova Holanda fez toda a diferença na minha vida. Era um lugar de solidariedade e amor. Dona Marina, dona Thereza e todas as professoras me apadrinharam para eu poder ir para o Pedro II, porque minha família era muito pobre e não tinha como comprar material e uniforme. Todos os anos elas compravam tudo. E como havia lacunas no meu aprendizado, todos os dias, eu acordava cedo e antes de sair para o Pedro II, eu ia para a Nova Holanda estudar”, conta.

Andréa nunca deixou de ter contato com as mestras,  sobretudo com a diretora Marina, com quem teve uma relação de afilhada até o final da vida dela, em 2021, quando morreu aos 90 anos. Depois do Pedro II, Andréa passou para a Escola Técnica Federal de Química e, mais tarde, fez graduação em Química na Uerj. Hoje, dá aulas na Educação de Jovens e Adultos do governo do Estado do Rio:

“Hoje mesmo quando eu estava na aula e me veio à memória uma imagem minha pequena, na sala de aula da Nova Holanda, ao lado de crianças maiores. Aquele foi um espaço formador, cheio de afetividade, que me fez ser quem eu sou e me fez querer dividir conhecimento com os mais jovens”, completa Andréa.

Na atual Escola Municipal Nova Holanda a aura do prédio original e toda a sua história permanecem. A diretora Renata Ramos da Cruz conta que é muito comum que pais ou avós que foram ex-alunos da escola procurem vagas para seus filhos ou netos. Ali hoje há 15 turmas, do 1º ao 6º anos, num total de 420 alunos.

“O nome e a história da escola são um apelo muito forte, que fazem com que os ex-alunos queiram que seus familiares estudem aqui, criando um ambiente  bom, com responsáveis muito próximos”, conta Renata.

E é lá na Escola Municipal Nova Holanda que há um monumento vivo da história de décadas e décadas de ensinamentos e aprendizados: a professora Roseana Moreira, a Tia Rose, que há 45 anos leciona para as crianças da Maré na mesma escola:

“Comecei em 1977, a Escola Nova Holanda é a minha vida. Eu cheguei aos 23 anos, naquela escola pré-moldada, pequena e acolhedora, aprendi muito e criei laços com as famílias. Hoje dou aula para os filhos e os netos dos meus primeiros alunos”, diz.

Que venham mais 60 anos.

Imagem histórica do pátio da antiga Escola Municipal Nova Holanda – Foto: Matheus Affonso

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