Especial ENEM: preparação dos alunos na perspectiva dos professores de pré-vestibulares comunitários

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Desafios enfrentados pelos candidatos vão além dos dois dias de prova

Por João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco

Nos dias 13 e 20 de novembro, jovens de todo Brasil realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Dos 3,4 milhões de estudantes inscritos no exame, 2,4 milhões compareceram ao primeiro dia de aplicação da prova. O ENEM possui 180 questões com cinco alternativas de resposta cada e uma redação, que deve ter de 7 a 30 linhas. As questões de múltipla-escolha são divididas em quatro áreas do conhecimento: ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias; e matemática e suas tecnologias.

A prova é a porta de entrada de centenas de milhares de estudantes para o ensino superior. A nota do ENEM pode ser usada para ingresso em diversas faculdades do Brasil através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e de outros processos seletivos que usem a prova do ENEM como critério de seleção.

O Maré de Notícias conversou com educadores e estudantes do Complexo de Favelas da Maré para um especial de duas matérias sobre o ENEM. Nesta matéria, será abordada a perspectiva dos professores e educadores a respeito da prova. A segunda matéria do especial vai ao ar amanhã (23/11) no Maré de Notícias, e abordará a perspectiva dos estudantes.

A importância dos pré-vestibulares comunitários

Os cursos pré-vestibulares preparam os alunos para a aplicação de provas como o ENEM e o vestibular UERJ. Os pré-vestibulares comunitários direcionam o ensino para alunos com uma renda familiar mais baixa que desejam ingressar no ensino superior. Além de preparar os candidatos para o ENEM, o papel dos pré-vestibulares comunitários e dos coordenadores e professores que atuam nessas instituições é reduzir a diferença de aprendizado entre jovens de diferentes extratos sociais.

O ambiente competitivo do ingresso nas universidades é um grande obstáculo para alunos de pré-vestibulares comunitários, segundo os professores. Muitas vezes, é a partir da entrada na universidade que os jovens se enxergam como profissionais plenos. Na avaliação do professor de História e coordenador pedagógico do CPV da Redes da Maré, Marcos Melo, a entrada de um jovem periférico no ensino superior é um ato político. “O espaço universitário sempre foi ocupado pela classe burguesa – que frequentou boas escolas, que teve incentivo familiar e todo o tipo de infraestrutura –, expressando o quão desigual é o nosso país”, salienta.

Luana Silveira, coordenadora executiva do CPV da Redes da Maré, enxerga o papel de pré-vestibulares sociais como uma forma de burlar esse sistema desigual, que nega acesso a serviços e a direitos para favelados. Com isso, o curso pré-vestibular comunitário também colabora com a quebra de visões estereotipadas e preconceituosas ao auxiliar os alunos favelados a ocuparem um espaço de alto prestígio social – a universidade.

Os pré-vestibulares comunitários também preparam os alunos para a vida dos estudantes durante o curso superior. Segundo Emmanuelle Torres, professora de História e coordenadora do pré-vestibular CEASM, uma das estratégias para preparar os pré-vestibulandos é unir os temas à realidade deles. “Conteúdos mais técnicos cobrados nessas provas […] são apresentados a partir da vivência do estudante, então é uma saída de campo que talvez vá fazer aquela pessoa compreender a história da cidade dela de uma outra forma”, explica. Segundo a professora, um exemplo que demonstra o sucesso dessa metodologia de ensino é a redação do ENEM 2022, cujo tema foi “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”. Com a transmissão dos conteúdos respeitando a ótica do aluno, os estudantes conseguem desenvolver a redação mais facilmente a partir dos próprios saberes.

Ambiente hostil dentro e fora do exame

Mais de 900 mil estudantes não compareceram ao primeiro dia de provas do ENEM, o que corresponde a quase 27% dos inscritos. O número de inscritos do ENEM 2022 é o segundo menor desde 2005, atrás apenas do ENEM 2021, com 3,1 milhões de inscritos. O número vem caindo desde 2014, quando 8,7 milhões de candidatos fizeram o ENEM. 

Outros fatores que podem ter influenciado a diminuição do número de alunos que aplicam ao ENEM foram a criação do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), que substituiu o ENEM como critério de certificação de conclusão do ensino médio a partir de 2017; a pandemia de Covid-19 e a crise econômica trazida por ela; e o encarecimento do valor da inscrição do exame, cujo preço aumentou 142% de 2014 a 2022. Nesta edição, a taxa de inscrição para a prova foi de R$ 85. É importante mencionar, entretanto, que estudantes de baixa renda podem solicitar a isenção da taxa de inscrição.

Points scored

Número de inscrições confirmadas no ENEM por ano, de 2014 a 2022.

O ambiente competitivo dos concursos para ingressar no vestibular é um dos fatores que desmotivam os alunos. Os professores e coordenadores dos cursos pré-vestibulares notam as angústias e ansiedades dos candidatos do ENEM; alguns deles chegam a desenvolver transtornos psicológicos, como crises de pânico. A equipe pedagógica promove encontros extraclasse para lidar com o problema, o que mostra que a preparação para a faculdade vai além do conteúdo lecionado em sala de aula.

O professor Marcos Melo explica que a equipe realiza um acompanhamento diário pautado no acolhimento de demandas e no fortalecimento da autoestima dos jovens. Entre algumas iniciativas, há a promoção de atendimentos psicológicos e rodas de conversa. Luana Silveira, coordenadora executiva do curso, acrescenta que há uma equipe psicossocial exclusivamente responsável pela promoção dessas medidas.

A autocobrança dos alunos também pode fazer com que os níveis de ansiedade fiquem ainda maiores. Na avaliação de educadores, o ENEM acaba impondo uma lógica de mercado de demanda por aprovação nos alunos; assim, eles buscam o bom desempenho para comprovarem o seu nível de inteligência.

Entretanto, Emanuelle Torres diz que parte da estratégia para acalmar os candidatos é esclarecer que a prova do ENEM, embora seja importante, não é a única forma de medir o nível de intelecto de alguém: “uma prova em dois dias específicos no ano inteiro não pode definir você, o seu aprendizado, a sua inteligência. […] A gente sabe de pessoas incríveis que, numa prova, muitas vezes porque não estão bem no dia, não se saem bem”.

Além disso, no caso específico de estudantes da Maré, os pré-vestibulandos ainda enfrentam outras questões rotineiras que afetam o desempenho escolar, como operações policiais, que interromperam aulas dos cursos pré-vestibulares no último ano, e a defasagem escolar causada pela falta de infraestrutura e profissionais da Rede Pública de Ensino. Os resquícios do ensino remoto, necessário para diminuir o número de casos e mortes de Covid-19 nos primeiros anos de pandemia, também contribuíram para deixar o aprendizado ainda mais defasado, lembra Luana Silveira.

O papel dos educadores

Embora seja focado em auxiliar os estudantes a passarem para o ensino superior, o curso pré-vestibular contribui para a construção do saber cidadão tanto dos alunos quanto dos próprios professores. A professora Emanuelle Torres lembra que o aprendizado acontece em todos os momentos da vida, e, portanto, a consciência crítica também está em constante transformação em todo corpo do curso pré-vestibular, até mesmo na equipe pedagógica.

A contribuição dos pré-vestibulares comunitários para a vida dos alunos, representa, também, um ensino superior mais inclusivo e diverso, com a presença de pessoas de diferentes origens, etnias, orientações de gênero e classes sociais. “É a partir desse poder intelectual que as pessoas de fato vão conseguir mudar a sociedade em que a gente vive”, conclui Emanuelle.

No caso do CEASM, cerca de 1500 alunos passaram para o ensino superior desde a sua inauguração, em 1997. Já o CPV da Redes da Maré teve 1.126 aprovados de 1999 a 2021.

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