Estrela solitária da Maré: descoberto na favela, atleta se destaca no time do Botafogo

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Raí Silva Peçanha chegou ao time após participação em torneio realizado em São Paulo

Hélio Euclídes

Um drible, um toque de bola certeiro, um goleador do time, uma bola indefensável que foi espalmada para fora. Essas podem ser algumas ações que destacam um menino ou menina que treina numa escolinha de futebol. O olheiro de um clube quando assiste a uma partida escolhe os que se diferem dos outros e o pequeno atleta precisa mostrar o que sabe. A saga de um craque mirim começa em uma peneira, atividade de escolha de um pequeno número de futuros jogadores profissionais. Entre esses poucos, Raí Silva Peçanha, cria da Maré, chegou ao time de base do Botafogo. Após uma participação ímpar em torneio realizado em São Paulo, Raí foi escalado no time profissional do alvinegro carioca. 

Hoje Raí está com 21 anos, mas não esquece do início de carreira. Quem também lembra desse momento é José Daniel, que se apresenta como captador de projetos, que traz representantes dos grandes clubes para a Maré. “Eu estava deprimido com um jogador que descobri e foi jogar num clube grande, mas a família fechou com empresários que deixaram esquecidos os projetos da Maré. Fui assistir um jogo do time Amigos Unidos, treinado pelo Alexandre Pichetti e conheci o Raí, um goleador. Ele jogava em um montão de times na Maré e fazia parte do futebol do Projeto Uerê”, diz.

Em outro jogo, se confirmou o que Daniel achava, que o menino fazia a diferença. Raí fez três gols e carimbou seu passaporte para a busca de um clube.

“Levamos para o Fluminense, foram dois jogos, mas o Raí não se adaptou. Depois foram três meses no Madureira, mas acharam que ele tinha pequena estatura, por isso foi dispensado. As portas se abriram no Botafogo, pelas mãos do Bruno Lazaroni”,

relembra Daniel

Esse caminho foi um longo processo. Este ano, o meio Raí disputou a Copa São Paulo de Juniores, com destaques nos passes, dribles e boas finalizações, foi integrado ao time profissional e tem chance de se tornar titular.

O meia de campo do Botafogo não teve vida fácil. Estudava na parte da manhã na Escola Municipal Clotilde Guimarães, próximo a passarela 10 da Avenida Brasil. Pegava o ônibus e sofria com o engarrafamento na Avenida Brasil e muitas vezes na Ponte Rio-Niterói, a caminho do Estádio Caio Martins. O retorno era outro engarrafamento. Mesmo com os obstáculos, ele teve um bom desempenho nos campeonatos disputados, tanto no sub 17, quanto no sub 20. Apesar das dificuldades, Raí nunca faltou a nenhum treino, tendo oito anos de dedicação. Nessa época morava numa quitinete na Rua Evanildo Alves e depois foi para uma casa na Nova Maré.

Uerê na vida do atleta

Toda a preparação do Raí passou pela participação no Projeto Uerê. Heitor Medeiros, diretor da instituição, viu os primeiros passos do atleta. “Era necessário uma atenção e cuidados com horários e alimentação para o atleta, então levei ele para minha casa e tratei como filho. Foram dois anos acompanhando a vida desse atleta”, comenta. Ele ressalta que o atleta faz questão de lembrar de suas raízes, como ajudar os que estão começando na Maré, recentemente deu uma cesta básica para um menino da Praia de Ramos.

Para Medeiros, a harmonia é essencial na carreira de um atleta, o que Raí tem como lema, tanto nos projetos de escolinhas da Maré, quanto no Botafogo. “Todos gostam dele. A Maré acompanha Raí, são 120 mil seguidores no Instagram. Essa formação de caráter que me faz uma pessoa feliz em ajudar as crianças, não tem dinheiro que pague”, conclui. 

Alexandre Pichetti, professor de uma escolinha de futebol do Projeto Uerê e de um projeto social pessoal, fica feliz do atleta ter sido descoberto pelas suas mãos. “O início foi maravilhoso, porque ele teve um aborrecimento em outra escolinha e eu acolhi ele quando mais precisou. Quando chegou no meu projeto e no Uerê sentiu outro tipo de tratamento e daí em diante não saiu mais. Às vezes precisamos de coisas que muita das vezes não encontramos em casa, como carinho, atenção e amor”, conta. Com humildade, ele avalia que as crianças da favela nascem com habilidades e que os treinadores só aprimoram.

O árbitro acredita que o projeto social ajuda a criança a caminhar para o bem, mas tudo seria mais fácil se encontrasse apoio. “Quando será que os governantes irão abençoar os projetos sociais dentro das comunidades? Trabalho no projeto Uerê e do meu salário retiro um pouco para a continuidade do projeto social. Faço isso, pois tenho amor por esse trabalho”, lembra. Ele detalha que o grupo tem dificuldades de uniformes, calçados e alimentos.

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