Torcida organizada não é sinônimo de violência 

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Dentro e fora dos estádios, a atuação das torcidas organizadas vai muito além do imaginário popular.

Por Maria Clara Paiva (*) 

No país do futebol, muitas vezes, a imagem predominante das torcidas organizadas é atrelada a violência. Cercada por estereótipos agressivos, os propósitos e histórico político-social podem não ser percebidos por aqueles que não conhecem o trabalho de perto. No primeiro sábado de abril, a Torcida Força Flu organizou uma ação social de Páscoa na Maré voltada para as crianças da comunidade. Esse é o nono ano seguido em que a TFF realiza esse tipo de atividade, não só na Maré como em outros lugares.  
 

Crianças beneficiadas pela ação social de Páscoa da Força Flu (Foto: Força Flu)

Para Ana Isabel Azevedo, monitora do comando feminino da Força Flu, o papel das torcidas é o de ajudar, levar não só lazer como promover saúde e educação, coisas que o Estado deveria fazer. “A sociedade impôs que o torcedor organizado é bandido, marginal; repudiam e banalizam nossa imagem de todas as maneiras possíveis, sem conhecer nosso verdadeiro intuito.” 

Com a volta das  torcidas organizadas às arquibancadas, após anos de banimento, notícias sobre crimes violentos relacionados aos jogos voltaram a tomar espaço na mídia, reforçando a ideia de um ambiente perigoso. No entanto, a atividade desses grupos não devem ser reduzida aos conflitos e a uma minoria baderneira.

Torcer é ajudar 

A primeira “torcida organizada” do Brasil foi feminina e uma das hipóteses sobre a origem da palavra torcida também vem daí. No início dos anos 20, as mulheres iam aos estádios com seus grandes vestidos e, em um misto de ansiedade e calor, torciam suas luvas e lenços para tirar o excesso de suor, sendo apelidadas de torcedoras. 

A monitora do comando feminino da TFF falou também sobre o que é ser um verdadeiro torcedor organizado hoje. “Já está no nome: torcer pelo seu time de uma forma organizada; é o apoio incondicional ao seu clube durante os 90 minutos de jogo dentro ou fora dos estádios, quem faz qualquer coisa fora disso não merece vestir a camisa.

Um dos idealizadores das ações sociais da Força Flu no Conjunto de Favelas da Maré é Wendel Fabiano Lameira. O membro da torcida, carinhosamente apelidado como Gui, é nascido e criado na comunidade e fundador do Comando Maré, movimento criado em 2008 com o objetivo de unificar os torcedores tricolores em uma época em que o lugar era dividido por diferentes facções.

Gui conta que as ações sociais vieram como uma forma de unir e atrair mais pessoas para o comando. “A primeira festa aconteceu no campo da Vila Olímpica, reuniu grande parte da galera que queria participar e daí para frente foi só alegria.”

Para Wendel e Ana, que trabalham e conhecem a ação da torcida de perto, é muito importante mostrar que nas organizadas existem pessoas de bom coração e que o objetivo é sempre levar ajuda, muitas vezes suprindo o que deveria ser dever do Estado mas que não chega para todos. Em geral, as principais ações envolvem arrecadação de alimentos e roupas, entrega de quentinhas, campanhas de doação de sangue e atividades em datas comemorativas como Dia das Mães, Páscoa e Dia das Crianças.

Gol fora de campo

Só nos últimos anos é possível citar uma série de momentos decisivos na história do país em que as torcidas organizadas se posicionaram e agiram em prol da sociedade. Longe dos estádios durante a pandemia, torcidas organizadas de todo o Brasil arrecadaram alimentos e outros itens essenciais para pessoas carentes. Segundo a Associação Nacional das Torcidas Organizadas mais de 70 toneladas de alimentos foram arrecadados só em São Paulo em uma ação organizada pelos torcedores dos quatro maiores clubes paulistas nos primeiros meses do isolamento social. 

No ano passado, torcedores furaram os bloqueios nas estradas postos por caminhoneiros e manifestantes extremistas que não aceitaram o resultado das eleições. As ações, que aconteceram no meio da rodada do Campeonato Brasileiro, impediram a passagem das caravanas das torcidas, o que iniciou a mobilização das torcidas que exigiram a liberação das estradas. No início do mesmo ano, durante a tragédia do temporal em Petrópolis, região serrana do Rio, as torcidas também atuaram na arrecadação de doações para os atingidos pelas enchentes e deslizamentos. 

Há também movimentos como o das torcidas antifascistas e suas ações na defesa da democracia. Desde as Jornadas de Junho, em 2013 – uma das maiores manifestações populares da história recente do país – os coletivos de torcedores antifascistas se proliferaram no cenário político. Marcando presença e mobilizando manifestações, essas torcidas também atuaram na oposição à candidatura de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e ao longo do governo, enfrentando a onda antidemocrática da extrema direita que ascendeu.

Apesar da rivalidade nos estádios, quando o assunto é ajudar, a união prevalece. Ana e Wendel, da Torcida Força Flu, frisaram que toda ajuda sempre é bem vinda. “Levantamos a bandeira da paz, do lazer, do esporte; deixamos aqui nosso convite para que se outra torcida organizada ou outras pessoas quiserem contribuir podem entrar em contato conosco.”

O contato com a Força Flu pode ser feito através do Instagram @forcaflu_oficial

(*) Maria Clara Paiva é estudante de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do Curso de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

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