Evento debate vulnerabilidade da mulher com deficiência à violência obstétrica

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Última reportagem da cobertura Maré de Notícias do festival Ecoar! aborda os direitos das pessoas com deficiência no momento do parto

Por Elaine Lopes, em 07/10/2022 às 17h

O parto é um momento importante e rico em simbolismos. No entanto, para uma mulher com deficiência auditiva dar à luz pode ter uma dose extra de tensão e sofrimento. Práticas que poderiam ser evitadas na sala de parto como a Episiotomia, corte feito no períneo; e a Manobra de Kristeller, pressão na parte superior do útero; ainda são usadas para facilitar a saída do bebê, mas podem ser traumatizantes.

Esses foram dois dos principais temas tratados na roda de conversa “A violência obstétrica e violação de direitos das pessoas com deficiência” realizada durante o “Ecoar! – Festival de Ativismo para Enfrentamento da Violência Sexual”, no dia 24 de setembro, no Museu de Arte do Rio (MAR).

A mesa teve a presença de Maria Rita Valentim, educadora do MAR, como mediadora; Sabrina Lage, educadora e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras); e Andreia Oliveira, educadora perinatal e também especialista em Libras. Sabrina e Andreia também são doulas, profissionais que acompanham as mulheres em todo processo de gestação, parto e pós-parto.

Comunicação é apenas parte do problema

Sabrina Lage e Andréia Oliveira falaram principalmente sobre a importância de se humanizar o parto e manter uma comunicação entre o profissional da saúde e a paciente (independentemente de sua deficiência), dando opção de escolha quanto ao método utilizado e às práticas realizadas. Segundo Sabrina, que é mãe de duas filhas, de dois e cinco anos; e é surda, a Episiotomia, procedimento cirúrgico que consiste em um corte feito no períneo – região entre o ânus e a vagina – frequentemente utilizado pelos médicos, pode ser considerada uma forma de violência contra a mulher. 

Andréia Oliveira afirma que existe uma concepção  de que a mulher é um objeto, um acessório, um corpo que pode ser facilmente invadido e esse comportamento vai gerando diversas violências, em várias camadas, e o trabalho de parto é um lugar onde isso ocorre, “então é necessário que a gente comece a conversar sobre essas violências que acontecem”. 

Sabrina Lage se comunica com os integrantes da mesa e compartilha suas experiências através da linguagem em libras | Foto: Elaine Lopes

Ela critica a opção dos médicos pela manobra de Kristeller, uma técnica que consiste na pressão sobre a parte superior do útero, também  com o objetivo de facilitar a saída do bebê. Segundo Andréia, a manobra é invasiva e acontece antes mesmo da mulher autorizar. 

Parto Humanizado

De acordo com Sabrina, existem obstáculos para as mulheres surdas que escolheram a maternidade. No entanto, não estão ligadas exclusivamente ao fato de não conseguirem ouvir, mas por falta de acesso a instituições que acolham adequadamente essas gestantes como clínicas, hospitais e maternidades: “os profissionais da saúde precisam ter pelo menos um conhecimento básico em LIBRAS e de como é o atendimento de uma pessoa surda”, explica ela. 

Segundo Sabrina, uma mulher surda que chega ao ambiente hospitalar não consegue se comunicar com os profissionais. Em muitos casos, o médico não faz nenhuma pergunta, apenas os procedimentos como pesagem e pressão. E não é diferente no dia do parto; a gestante tem que deitar na maca, tem seu corpo tocado e é encaminhada para a sala do parto sem que haja qualquer diálogo, “por isso a taxa de cesáreas em mulheres surdas é muito alta”. Segundo Sabrina, o agendamento da cesárea também é combinado entre o médico e o acompanhante da gestante, que geralmente é alguém da família, mas sem o consentimento da paciente.

Sabrina acredita que a Central de Intermediação entre surdos e ouvintes-ICOM, um serviço de tradução de LIBRAS em tempo real, 24 horas por dia, disponível por aplicativo, poderia ser uma opção no caso de gestantes surdas, “mas a questão é que ele não é gratuito, impossibilitando o uso entre todas as mulheres”. 

Durante a roda de conversa, Sabrina exibiu o parto de sua segunda filha; humanizado, com total liberdade de escolha., que lhe permitiu se movimentar e escolher o local apropriado para dar à luz, com o apoio do marido e da filha mais velha, o que segundo ela, “fez toda a diferença, tornando esse momento de muita união entre a família.” 

Andréia Oliveira compartilha seus conhecimentos sobre violência obstétrica  | Foto: Elaine Lopes

Violência pós-parto

Outra questão discutida na roda de conversa foi a laqueadura. Segundo Maria Rita Valentim, violência obstétrica é qualquer ato que provoque danos físicos ou psicológicos à mulher. Assim como atos praticados por profissional da saúde ou de outra área que  firam os princípios de autonomia e liberdade de escolha da mulher que está em trabalho de parto, e enfatiza ainda o direito à informação. 

Segundo Sabrina, em muitos casos, a família entende que a mulher surda não tem condições de ter filho, por causa do trabalho e, simplesmente, decide que ela tem que fazer uma laqueadura, e o médico faz o procedimento, mesmo sem o conhecimento da paciente, isso também se caracteriza como violência obstétrica.  

Após citar os vários tipos de violência obstétrica, o quanto a violência de gênero está relacionada a essas práticas e o quanto elas representam de violência para as mães surdas, Andréia Oliveira cita como exemplo positivo a experiência da Sabrina durante o parto humanizado. Sem nenhuma intervenção, sem nenhum método invasivo e completo, “em nenhum momento o corpo da Sabrina é tocado sem aviso durante o parto”.

Todas as mulheres surdas, segundo Andréia, deveriam ter a oportunidade de vivenciar isso também, poder ter os seus direitos respeitados, ter a oportunidade de optar pelo parto que desejam, ter uma comunicação com acessibilidade, absolutamente todos os direitos, sem exceção. “É o que todas merecem”, enfatiza.

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