Por dias que possamos brincar, sonhar e viver sem operações policiais

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Por Luiz Menezes, em 08/10/2022 às 8h

Fico constantemente me perguntando que Estado Democrático de Direito é esse em que vivemos. Enquanto um jovem nascido e criado em uma favela no Rio de Janeiro, me sinto cansado de tantas violências e violações de direitos que cotidianamente preciso passar por simplesmente morar dentro de um território favelado. No último dia 26, fui acordado mais uma vez, antes mesmo do dia amanhecer, por diversas rajadas de tiros. Era mais uma operação da Policial Militar instaurada no conjunto de favelas da Maré e que anunciava mais um dia de tensão e desespero para os moradores do território. 

O sentimento de impotência perante essa situação começou a me consumir por volta das 4 horas da manhã. Com uma respiração ofegante, coração acelerado e dominado por uma enorme sensação de medo, estava anunciado que aquele dia seria  mais um momento de (in)segurança. Sem muito o que fazer, comecei a rolar de um lado para o outro da cama e junto com esse movimento agonizante me veio algumas lembranças de quando criança. Nessa época, lembro-me da minha mãe, recorrentemente com medo de me deixar brincar na rua porque a qualquer momento poderia chegar o carro blindado usado pela Polícia Militar, conhecido popularmente como Caveirão. 

Depois de 3 horas nessas idas e vindas entre o passado e presente me levantei. Comecei a me arrumar para tentar ir para a universidade, outro espaço que historicamente pessoas como eu não eram bem vindas. Pensei diversas vezes em não ir a aula por conta da alarmante situação que a Maré se encontrava, mas ecoava junto a essa vontade uma outra, de não permitir que o Estado mais uma vez me impedisse de realizar meus sonhos e ocupar espaços que foram negados aos meus. Então fui…

Essa política de (in)segurança é um projeto minuciosamente pensado por quem o faz. São cerca de 140 mil habitantes que são vítimas dessa política da morte. Escolas que são fechadas, trabalhadores e negócios locais impactados, postos de saúde com atendimentos interrompidos e inocentes mortos. 

Aprendi que o ódio de forma organizada é capaz de estabelecer grandes mudanças. É nesse sentido que sigo, com a esperança de que os que virão depois de mim possam ter a garantia dos seus direitos na prática. E que esse país dito democrático nos permita ser crianças que possam brincar, adultos que possam sonhar e sujeitos que possam viver. 

Luiz Menezes é mareense e aluno do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias. Atualmente estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Economia na Estácio de Sá, sendo o primeiro da família a acessar a universidade

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