Atuação das mulheres é mostrada em livro de cria da Maré e pesquisas no território
Em 25 de julho celebramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e esta é uma data importante para refletir sobre estas mulheres, que formam a maioria da população das favelas do Brasil. De acordo com o Censo Maré (2019), 61,2% das mulheres do território se autodeclaram Negras (pardas ou pretas) e são essas mulheres, as mais impactadas diariamente pelas violências de gênero, classe, raça e território.
No livro Feminismos Favelados, a autora e cria da Maré, Andreza Jorge, aborda a relação do movimento feminista tradicional e o entendimento de que as mulheres de favela têm especificidades, que ultrapassam as discussões gerais do movimento, gerando uma maneira diferente de mobilização.
No lançamento do livro, em 2023, a autora contou ao Maré de Notícias: “A vida das mulheres de favela transcende a compreensão das categorias de classe, de raça e de gênero. Estamos falando de um território e de mulheres que têm ações que incidem diretamente nelas, então, se temos opressões específicas, temos resistências especificas”.
Múltiplas violências
Um dos pontos que ecoam quando se trata de território, é o contexto de violência armada. Um cenário de violações individuais e coletivas, como fechamento das unidades de educação e saúde, invasões de domicílios, agressões e mortes por arma de fogo. Segundo a pesquisa Violências, corpo e território sobre a vida das Mulheres da Maré, no ano de 2019, 58% das vítimas de violações de direitos foram mulheres.
Além dos dados, a pesquisa realizada em parceria com a Universidade de Cardiff, no Reino Unido, a Universidade de Warwick, na Inglaterra, a Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, traz relatos de algumas dessas mulheres.
O mapeamento feito pelo projeto De Olho na Maré identificou que, a maioria das mortes no território, são de homens negros, mas são as mães, irmãs, filhas, avós e esposas, mulheres negras, que precisam lidar com a perda. Elas acabam iniciando a busca pelo acesso à justiça por seus entes queridos mortos, sem muitas vezes terem o direito ao luto.
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Saúde impactada
A perda de um familiar é sempre difícil, mas pode se tornar ainda mais angustiante quando acontece em contexto de violência. Quando se trata de Mulheres Negras (pretas e pardas) e de favela, o sofrimento está atrelado à dificuldade de acesso à justiça e a histórica violação de direitos, atrelado à criminalização de seus corpos.
Em 2023, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), que acompanhou desde 2008, a saúde de mais de 15 mil adultos e idosos em seis capitais brasileiras, comprovou que, entre os anos de 2008 e 2010, para cada (01) pessoa branca vivendo com seis ou mais doenças crônicas, havia aproximadamente 13 pessoas pardas e 15 pessoas pretas na mesma situação.
Pessoas pretas, eram as mais adoecidas para hipertensão (48%), diabete (27%), doença renal crônica (11%) e, quase um terço desse grupo, eram pessoas com obesidade. Já as pardas estavam logo na sequência, com 23% do grupo com hipertensão, 20% com diabete, 9% com doença renal, e 23% com obesidade.
O estudo constatou ainda que, as Mulheres Negras, eram as mais adoecidas por múltiplas condições. Cerca de 10% das mulheres pretas conviviam com seis ou mais doenças crônicas no início do estudo. Em torno de 40% delas, conviviam com transtornos mentais como ansiedade e depressão, e 35% com obesidade. Para cada 10 óbitos de mulheres brancas, morreram 14 mulheres pardas e 17 mulheres pretas.
O Elsa-Brasil é conduzido por pesquisadores(as) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG), do Espírito Santo (Ufes), da Bahia (UFBA) e do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Rede de apoio ancestral
A Casa das Mulheres da Maré, equipamento da Redes da Maré, em parceria com a King’s College de Londres, realizou a pesquisa Práticas de Resistência para Enfrentar a Resistência Urbana de Gênero na Maré. No estudo, as mulheres da Maré identificaram as seguintes estratégias para lidar com a violência armada: ficar em casa; buscar espaços mais protegidos dentro das casas; avaliar o risco das rotas, quando necessário circular; usar aplicativos on-line no celular para obter informações sobre situações e/ou documentar a violência; e ficar com outras mulheres para evitar agressões e abusos durante invasões domiciliares pela polícia.
As redes de apoio de outras mulheres, como mães, avós e tias, surgem como um recurso fundamental em situações de violência doméstica, abuso e necessidade de acesso à justiça para amparar mulheres. Em conflitos armados, as vizinhas cuidam das crianças, buscam nas escolas e se fazem presentes para assegurar a integridade dos pequenos na ausência do responsável.
Para a autora Andreza Jorge, este tipo de prática faz parte de um saber transgeracional ou ancestral, formando uma rede de proteção. A doutoranda em Estudos Culturais na Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, enfatiza que o conceito por trás do livro parte de vivências coletivas, ancestrais e familiares: