Mareenses lutam contra as mudanças climáticas que também afetam o conjunto de favelas
Por data_labe. Reportagem: Vinicius Lopes – Maré de Notícias #131 – dezembro de 2021
Na contramão da fala do ministro, percebe-se que as florestas (espaços verdes, no geral) estão presentes majoritariamente nas partes mais nobres das cidades. Basta ver que os bairros mais arborizados do Rio de Janeiro são o Alto da Boa Vista e São Conrado. A Maré, o maior conjunto de favelas da capital fluminense, é um exemplo de como a lógica do ministro não se aplica à realidade: uma das faces da pobreza está justamente ligada à falta de espaços verdes.
Mudanças Climáticas afetam a Maré?
O debate sobre questões climáticas frequentemente se dá em lugares distantes das favelas e periferias, como a Maré; por isso, passa a falsa impressão de que o assunto pouco afeta a vida dos mareenses. Mas na verdade as pessoas que moram nas favelas e periferias são as primeiras a sofrer os danos causados pelas mudanças climáticas.
O data_labe instalou medidores de temperatura na sede do laboratório, que fica na Baixa do Sapateiro. Os dispositivos indicam que, enquanto a média de temperatura no Rio de Janeiro durante o inverno (entre junho e setembro) foi de 25°C, na Maré a temperatura chegou a 30°C — é o fenômeno conhecido como “’ilhas de calor”: áreas da cidade onde a temperatura média é mais alta por conta da atividade humana e das condições estruturais. Caso a temperatura global continue aumentando devido às mudanças climáticas, a Maré vai ficar mais quente ainda.
Um dos principais problemas que o calor intenso provoca está relacionado à saúde. É o que explica a arquiteta e urbanista Carolina Galeazzi que aborda o impacto das mudanças climáticas na Maré em sua tese de doutorado a partir de medidores de temperatura e umidade.
“O calor em si pode não ser a causa imediata de doenças, mas ele é responsável pela piora delas. Esse é um problema ainda maior para os idosos: por serem mais vulneráveis, seu quadro clínico pode piorar e eles morrerem”,
Carolina Galeazzi , pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Na COP26, todos os países se comprometeram a mudar suas políticas para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima das temperaturas da era pré-industrial (ou seja, aquelas registradas no ano de 1880). Para isso, o ministro Joaquim Leite garantiu que o Brasil vai reduzir pela metade, até 2030, a emissão de gases de efeito estufa, um dos principais responsáveis pelo aumento da temperatura global. Esse compromisso é firmado em um momento decisivo para o Brasil, que tem níveis alarmantes de desmatamento e está entre os dez países que mais emitem gases de efeito estufa.
Em meio à emergência climática, a urbanista afirma que é importante que sejam tomadas ações para nossa adaptação às condições adversas que começam a surgir:
“Com o aumento da temperatura global, ocorre também a amplificação das ondas de calor; consequentemente, as ilhas de calor na Maré pioram. Daí a necessidade do monitoramento das temperaturas, e também da modificação da forma urbana da Maré: mais espaços verdes, melhor mobilidade e menos poluição são essenciais.”
Carolina Galeazzi , pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Poeira que mata
A poluição também é um dos fatores que afasta da Maré o conforto ambiental e climático. Brenda Pinto, estudante de biologia na UFRJ e representante do coletivo Muda Maré, percebe esses efeitos: “O Complexo da Maré é rodeado pelas três principais vias expressas da cidade, e a gente percebe como o Parque Ecológico da Maré, por ser um dos poucos lugares verdes, é também um dos raros pontos a trazer ar fresco.”
A sensação de Brenda não é apenas uma impressão particular. A concentração de uma poeira prejudicial ao corpo humano na Maré é cinco vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É o que apontam dados preliminares da tese de doutorado do cientista de dados Paulo Mota, membro do data_labe.
“Um dos poluentes do ar é o chamado material particulado de 2,5 nanogramas (MP2.5). É uma poeira extremamente fina que atravessa as paredes e passa pelos filtros do nosso sistema respiratório; em excesso, é depositada em nosso organismo. Existem estudos desde a década de 1990 que comprovam que pessoas expostas a mais de 25 nanogramas por metro cúbico desse material têm mais chances de desenvolver doenças respiratórias e cardíacas, como infarto agudo. Isso implica também o aumento da mortalidade entre a população. Na Maré, identificamos uma concentração acima de 50 nanogramas por metro cúbico, quando o recomendado são 10”, explica.
A maior fonte de MP2.5 é a queima de matéria orgânica e de combustíveis fósseis (como a gasolina e o óleo diesel), como as que ocorrem nos motores dos carros, ônibus e caminhões. Como a Maré está localizada entre vias extremamente movimentadas, eram esperados altos índices de MP2.5. O que preocupa é que, com a redução de chuvas no inverno deste ano e com o ar mais seco, esse material ficou suspenso durante um longo período, o que, no curto prazo, causa alergias e alguns incômodos respiratórios, principalmente para quem mora em lugares com menos infraestrutura.
Deixando a Maré verde
Dias antes de a COP26 começar, jovens moradores de diferentes partes da Maré se reuniram para pensar em como lidar com os efeitos das mudanças climáticas no território. O evento foi organizado pelo Cocôzap, um braço do data_labe no monitoramento e geração cidadã de dados; pela Maré Verde, uma iniciativa da Redes da Maré; e pelo Muda Maré, um projeto de extensão da UFRJ. O encontro aconteceu no Parque Ecológico do Pinheiro, um dos poucos lugares verdes existentes no Complexo da Maré.
Na ocasião Camila Felippe, integrante do coletivo Resistência Lésbica na Maré, falou sobre sua motivação para lutar por espaços mais verdes nas favelas: “A favela também interage com o meio ambiente. Revitalizar espaços como o Parque Ecológico da Maré, que é um dos únicos espaços verdes que temos no território, é uma questão social, de afetos e de pensar em um futuro melhor.”
Entre as estratégias pensadas pelos participantes para melhorar a situação ambiental das favelas estão a revitalização de espaços verdes, o plantio de árvores e a criação de hortas comunitárias.
“Se a gente consegue encontrar um lugar para descartar entulho, esse mesmo lugar poderia ser usado para plantar, criando espaços mais verdes. É função também do Estado fazer isso. E os benefícios seriam inestimáveis.”
Camila Felippe, integrante do coletivo Resistência Lésbica na Maré.
Edição: Fred Di Giacomo
Dados: Polinho Motta
Arte: Juliana Messias