‘Guerra às drogas’ e juventudes de favelas é pauta de último dia de Congresso Internacional na Maré

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Convidadas trouxeram contexto histórico da política de drogas no Brasil e os impactos para os moradores de periferia

Por Luiz Menezes, Daniele Figueiredo *alunos do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias e Samara Oliveira 

“A Lei de Drogas hoje é uma das maiores responsáveis pelo grande encarceramento dos jovens negros. Não por acaso o Brasil é o terceiro país no mundo, em número de população carcerária,” esta foi a fala da jornalista Thayná Alves na primeira mesa do último dia do 1° Congresso Internacional Falando sobre Segurança Pública na Maré. O tema do debate que aconteceu na última sexta-feira (12/08) “O Contexto da Política de Drogas no Brasil e as Consequências para a Juventude de Favela”. Além da jornalista participaram da conversa a assistente social e pesquisadora do Observatório de Favelas Thais Gomes, a assistente social e coordenadora do Eixo de Saúde da Redes da Maré Luna Arouca, e o coordenador da campanha “Somos da Maré e temos direitos” Arthur Viana. 

Segundo a advogada do Maré de Direitos e organizadora do evento,  Thays Santos (38), a relevância desse debate mostra como a política de drogas se relaciona diretamente com a maioria da população carcerária, que é composta pela população negra. “Porque a gente sabe que a política de drogas não começa na base, no usuário. A gente tem muito, muitas outras vertentes e outros e outros níveis que não são investigados.” 

A ideia do bem contra o mal entre usuários e agentes do estado

Thais Gomes (30), assistente social e pesquisadora do Observatório de Favelas, explica a ideologia da binaridade do bem e do mal, quando se pensa em política de drogas e que acaba respaldando suas consequências na população negra e favelada. “Essa perspectiva da guerra às drogas, enquanto um conflito do bem contra o mal, essa perspectiva binarista, é segmentada de que? A polícia vem aqui para proteger os ‘cidadãos de bem’, eliminar quem ‘não é de bem’. É uma armadilha e a gente tem muitas ferramentas para desconstruir porque quando a gente vai olhar para os dados e para o conjunto das operações policiais que tem acontecido, e que agora no ano de 2022, está quebrando recordes de chacinas, percebemos que o que existe não é uma guerra às drogas, mas sim, uma guerra à população pobre, negra, periférica”, afirma. 

A reflexão da jornalista Thayná Alves, que coordena a comunicação do projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, também dialoga com a fala da assistente social trazendo além das suas ações enquanto profissional sua perspectiva pessoal.

“O (projeto) drogas entra muito nesse lugar de centralizar pessoas e territórios que são historicamente colocados à margem e marginalizados. Eu vim desse lugar. Como comunicadora, como pessoa que pensa essa questão de narrativa a gente ta sempre muito atento a não se deixar cair na lógica que se naturaliza desse lugar da desumanização e da objetificação dos territórios de favela e dos corpos negros. Então quando é chacina, é chacina, não é operação. São muitas nuances que passam batidos no dia a dia das pessoas, mas para a gente que vem desses territórios e vive no dia a dia essa letalidade que nem sempre vem da bala, mas que muitas vezes é subjetiva porque mina sua existência, sua autoestima, sua memória, quem você é e de onde você veio, confrontar essas narrativas é preciso”, ressalta.

jornalista Thayná Alves

Luna Arouca (34), coordenadora do eixo de saúde da Redes da Maré e assistente social, trouxe o contexto histórico de onde surgiu a política de guerra às drogas no Brasil e ressaltou que o assunto tem que ser tratado no campo da saúde e não de segurança pública como é majoritariamente tratado. A profissional levou como exemplo o experimento científico´”Parque dos Ratos”, que questionava os métodos de pesquisa realizados anteriormente onde ratos eram colocados isolados em gaiolas apenas com água e água com heroína para beber. 

“Partindo da lógica da saúde você tem que pensar a droga não a partir da substância, mas da sociedade. O que a sociedade está produzindo para que os seres humanos vivam de forma feliz? Por isso temos que pensar em saúde de uma maneira completa. Saúde não é só não ter uma doença que no caso seria a compulsão pela droga, mas a possibilidade de você viver uma vida plena como ter segurança pública, ter moradia, ter educação e possibilidade de vida e sonhos.” 

Luna Arouca coordenadora do eixo de saúde da Redes da Maré

Ao pensar em soluções, Arouca destaca o trabalho da Redes da Maré no Espaço Normal ressaltando principalmente a criação de vínculos que, segundo ela, faltam nas políticas de assistência do Estado.

“O proibicionismo é a política que temos no Brasil. O Estado negou por anos aos usuários de crack políticas públicas (negou educação, saúde e sonhos). A política foi racista e excludente até que em um dado momento, o Estado se propõe levar esses usuários para um local de moradia, com a ideia de que naquele curto período, eles vão se recuperar. A Redes da Maré trabalhando com o desenvolvimento territorial se aproximou dessas pessoas sem dizer o que elas têm que fazer, ou não, criando ali um espaço de convivência onde eles podem tomar banho, fazer sua própria comida, assistir televisão, a criação de vínculo e confiança é um ponto importante nessa recuperação”, explica.
Provocadas por Arthur Viana (24), coordenador da Campanha “Somos Maré e Temos Direitos” ao perguntar se legalizando as drogas diminuiria o genocídio dos corpos negros, Thayná Alves responde que toda luta anti proibicionista também deve ser antirracista: “Os passos devem ser dados um de cada vez, mas só a legalização das drogas não dá conta do fim da criminalização dos corpos negros”.

Luna Arouca (34), coordenadora do eixo de saúde da Redes da Maré

  

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