Jovem barbeiro da Maré dá workshops durante a pandemia como saída pra crise

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Guilherme começou na profissão com apenas 14 anos e hoje é Embaixador da Batalha dos Barbeiros, projeto de estímulo à profissão na Maré. A categoria “beleza e estética” é a segunda maior em número de empreendimentos nas 16 favelas mareenses.

Thaís Cavalcante

Uma tesoura na mão e um pente na outra. Essas são algumas das ferramentas que Guilherme Nunes, barbeiro de apenas 17 anos, usa para viver da arte que é cortar cabelo e realizar workshops na Vila dos Pinheiros, onde vive na Maré. Fazer parte do mercado da beleza é tradição de família, mas a decisão aconteceu mesmo quando seu pai pediu que cortasse o seu cabelo.

Com apenas 14 anos, muita vontade de trabalhar e um curso feito, Nunes veio de Nova Iguaçu há três anos para morar na Maré e trabalhar no salão de sua tia, o Salão da Bell. “De primeira, eu não cobrava os cortes. Chamava os meninos na rua para cortar. Comecei a pegar prática, conheci outros barbeiros e fui ganhando clientes”, diz.

Quem aprova o trabalho é Carlos Daniel, garçom e vizinho da barbearia, que conheceu através das fotos do instagram, com mais de 3 mil seguidores. “O preço é bom, o local é organizado e o atendimento é maravilhoso. Eu já experimentei outros cortes também, mas sempre faço o degradê navalhado e a barba. Pela idade dele, fiquei impressionado por ser tão talentoso”, conta. Carlos trabalha com o público e sempre que tira folga, vai à barbearia deixar o cabelo no estilo. Garante que um visual produzido chama a atenção.

A reabertura do comércio de rua, salões de cabeleireiros e barbeiros foi permitida em junho pela Prefeitura do Rio de Janeiro, mas o medo da pandemia fez o movimento diminuir. No salão, atendimento só com hora marcada para evitar aglomeração. Com a facilidade de “trocar uma ideia” com os clientes, bastou uma ligação e mensagem no WhatsApp para avisá-los da reabertura. Tudo feito com cuidado: o uso do álcool em gel e máscara de proteção foram indispensáveis.

Barbeiro Guilherme Nunes fazendo o corte degradê navalhado – Foto: Matheus Affonso

Aula de experiência e empreendedorismo
Os homens têm estado cada vez mais preocupados com a aparência. Tanto é que o Brasil é hoje o segundo mercado de cosméticos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo pesquisa feita pelo Grupo Croma em 2019. Não é difícil achar uma barbearia caminhando pelas ruas da favela. A categoria “beleza e estética”, onde se encontram as barbearias, é a segunda maior em número de empreendimentos no Conjunto de Favelas da Maré, de acordo com o Censo de Empreendimentos da Maré (2013). 

As novidades encontradas pela geração que frequenta barbershops vão além da vaidade com cabelos e barbas, mas são pontos de encontro para conversar, beber e comprar roupas e acessórios. Por isso, Guilherme decidiu criar um espaço estilizado dentro do salão de sua tia e a inspiração não veio de longe.

Foi aluno de Clayton Guimarães, barbeiro, educador e empresário da Cool Barber Shop. Clayton, cria do Parque União, também começou aos 14 anos na área da beleza e hoje coleciona prêmios nacionais, cursos na Europa e sua própria escola de aperfeiçoamento. “Quando eu o conheci, ele me deu muita força e me incentivou a fazer cursos. Me passou todas as técnicas na tesoura. Tenho muito o que agradecer ele e a minha tia. Hoje já faço corte, barba, penteado e tô aprendendo pintura”, conta ele.

Guilherme também é Embaixador da Batalha dos Barbeiros, projeto idealizado pela cabeleireira Érica Nunes, cria da Baixa do Sapateiro, Maré. Ela é mais conhecida como a Madrinha dos barbeiros por promover a profissão e formar barbeiros por toda a cidade. “É uma vitória muito grande poder executar esse trabalho, onde a gente gera oportunidade e um trabalho social para milhares de jovens. Tenho orgulho em ser da Maré e ser exemplo para muita gente”, conta Érica. 

A parceria facilita a divulgação de produtos e cortes de cabelos nas redes sociais, além de incentivar o trabalho dos jovens barbeiros. O jovem faz questão de mostrar nas fotos que já cortou o cabelo do cantor Naldo Benny, ex-morador da Vila dos Pinheiros, e até marcou um horário com o jogador de futebol do Benfica, o lateral Gilberto. 

Na contramão de um cenário difícil de desemprego enfrentado pelos brasileiros durante a pandemia, ele conseguiu fazer sua primeira oficina. “Em qualquer área que você procurar ter sucesso, o conhecimento é a chave. Quando eu fui oferecer o meu primeiro workshop pago, os alunos gostaram bastante. Uns eram até mais velhos que eu. Sei que é muita responsabilidade, mas procurei mostrar todas as técnicas”, afirma. O futuro está logo ali e os planos também. Pretende continuar ensinando e crescendo o seu negócio dentro da Maré. “Para mim, não é só pela questão financeira. Vejo que muda a autoestima das pessoas e também quero fazer um corte meu estourar aqui dentro da favela”.

Conheça outros profissionais da área na matéria sobre tendências de cabelo e roupa usadas no Carnaval de 2020, na edição do Maré de Notícias #109.

Qual a origem dos salões e costume de cuidar dos cabelos?

A profissão de cabeleireiro, os salões e barbearias são bastante antigos, mas tem origens em locais distintos. Há objetos arqueológicos, como pentes e navalhas de pedra, que datam mais de 5000 anos. Os egípcios, por exemplo, foram um dos primeiros povos a ter esse cuidados com as madeixas, seja com o uso de navalhas para realizar os cortes de cabelos seja o uso de tintura e henna para tingir perucas, barbas e unhas. Neste momento, os barbeiros e cabeleireiros não tinham um lugar fixo e iam até os clientes para realizar os seus serviços.

Mas é na Grécia que esses profissionais começam a ter um espaço fixo, as koureias. As barbearias de hoje têm bastante semelhança com as gregas. Elas ficavam nas ágoras (praças públicas) e os salões eram locais que se debatia sobre diversos assuntos enquanto cuidava dos cabelos. A própria palavra cosmético tem origem nesse lugar. Ela deriva do grego kosmetikós, que significa “hábil em adornar”.

Durante a Idade Média, a barbearia era espaço também para a realização de procedimentos médicos. Seus profissionais eram mais conhecidos como “cirurgiões-barbeiros”, que exerciam a função de cirurgião, dentista e sangrador – profissional que tentava curar doenças sem nenhuma experiência. Com o passar do tempo, as pesquisas acadêmicas e especializações especificaram o trabalho do barbeiro, que passou a atuar diretamente com atividades relacionadas à beleza e à estética.

No Brasil, a profissão chegou com os jesuítas, que cortavam os cabelos dos indígenas de um modo que era entendido pelos padres como um corte de pessoas civilizadas. Depois do surgimento da navalha, a profissão muda e é limitada ao corte de cabelo e uso de perucas. Todas as classes passam a frequentar o espaço e cursos são criados. Com a fama dos salões unissex e o atendimento personalizado renasce o modelo de barbearia como conhecemos: dedicado exclusivamente aos homens. O crescimento até hoje não para: mundialmente, o setor de beleza masculino deve atingir US$ 78,6 bilhões até 2023.

Serviço
EVENTO FAVELA BARBER
Realização: Batalha dos Barbeiros Brasil (@batalhadosbarbeirosbrasil)

Calendário de competições:

04/10/20 Morro do Vidigal – RJ 
11/10/20 Complexo da Maré – RJ (Campo Vila do João)
18/10/20 Cidade de Deus – RJ
25/10/20 Complexo do Alemão – RJ
08/11/20 Parque de Madureira – RJ

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