Justiça por Herus: favela e sociedade exigem respostas

Data:

Jovem é assassinado durante operação do BOPE no Morro Santo Amaro. Moradores, familiares e defensores de direitos humanos realizaram ato neste domingo pedindo justiça.

Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, trabalhava como office boy em uma imobiliária e foi assassinado com um tiro na barriga durante uma operação do BOPE, na última sexta-feira (06), no Morro Santo Amaro, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Além de Herus, outras cinco pessoas ficaram feridas. A Polícia Militar alegou que a operação, ocorrida durante uma festa junina que acontecia no local, com a presença de centenas de moradores, entre jovens, adultos e crianças, foi motivada por denúncias sobre a presença de integrantes de grupos civis armados na região.

Neste domingo, milhares de pessoas, entre moradores do Morro Santo Amaro, familiares de Herus, integrantes dos movimentos de mães e familiares de vítimas da violência do Estado, artistas e pessoas de toda a cidade participaram de um ato pedindo justiça por Herus e, principalmente, respeito às vidas faveladas.

Em um depoimento dilacerante, Mônica Guimarães Mendes, mãe de Herus, contou que o filho estava com ela, aguardando o início da apresentação da quadrilha da festa junina que acontecia no morro. No momento em que a polícia iniciou a operação — com disparos de tiros, apesar do evidente e intenso movimento de pessoas, devido à festa —, Herus havia se afastado para comprar algo para comer. O celular do jovem ainda exibia na tela o comprovante de pagamento via Pix quando ele foi assassinado.

Foto: © Patrick Marinho

“Eu não queria enterrar meu filho. E a polícia, que deveria proteger, que deveria estar ali fazendo uma operação para nos proteger, tirou a vida dele”, desabafou Mônica, chamando atenção para os machucados no corpo de Herus, que foi arrastado pelas escadarias do morro. Além da mãe, amigos e vizinhos, Herus deixa um filho de 2 anos.

O Morro Santo Amaro é uma favela localizada entre os bairros da Glória e do Catete, na Zona Sul do Rio de Janeiro. A ocupação da área teve início no século XIX e, atualmente, o local abriga cerca de 3 mil moradores. Segundo o WikiFavelas, o morro é conhecido por projetos focados em cultura, esporte e música, que buscam fortalecer a comunidade. A região não costuma ser alvo de operações do BOPE, o que intensificou o choque e a indignação dos moradores e da sociedade civil. Os relatos e registros de pânico entre moradores do Santo Amaro no momento da operação policial que circularam as redes sociais na manhã de sábado foram inúmeros e chocantes. 

Ademar Lucas, fundador do Instituto Ademafia, que promove ações no bairro de Santo Amaro por meio da prática do skate, lamentou o fato de precisar mobilizar a cidade em torno da comunidade não por ocasião de celebrações da arte, cultura ou esporte, mas sim como resposta à violência. “Mais um assassinado. Não dá para normalizar isso, como se fosse aceitável sermos mortos só por sermos pobres, por termos nascido aqui, por sermos pretos.”

De acordo com o governador do Estado do Rio, Cláudio Castro, as imagens das câmeras corporais dos agentes envolvidos serão encaminhadas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que conduzirá uma investigação paralela, com a realização de uma perícia autônoma. Os agentes realizaram escaneamentos tridimensionais para mapear os vestígios e lesões, utilizando recursos digitais que permitem a elaboração de laudos interativos para que se possa configurar a dinâmica dos fatos.

O assassinato de Herus ocorreu justamente no dia em que se completavam quatro anos da morte de Ketlem Romeu, uma jovem de 24 anos que morreu, grávida, durante uma operação no Complexo do Lins, em junho de 2021. Cinco policiais militares são réus por fraude processual nessa investigação.

“Mais uma vez, um sonho negro é interrompido pela violência que atravessa, com brutalidade, o cotidiano das favelas e periferias brasileiras. Este trágico episódio evidencia a urgência de repensarmos as práticas de segurança pública e o papel das forças estatais em territórios historicamente vulnerabilizados”, destacou em nota oficial do Ministério dos Direitos Humanos.

Foto: © Patrick Marinho

ADPF das Favelas

Os efeitos trágicos dessa operação reforçam a urgência de revisão do padrão de atuação das forças policiais em espaços de favelas e periferias. Apesar das medidas determinadas pela ADPF das Favelas — julgada em abril deste ano, pelo Supremo Tribunal Federal, houve desrespeito na ação: não havia ambulâncias no local para atendimento emergencial de vítimas. Além disso, a necessidade e legalidade da realização da operação durante a noite deve ser comprovada por situação de flagrante e por relatório de proporcionalidade do uso da força, de acordo com a determinação julgada e estabelecida pela decisão da suprema corte.

Só na Maré, este ano, oito pessoas foram mortas e cinco ficaram feridas em dez operações realizadas pela polícia. Os dados são monitorados pelo eixo Direito à Segurança Pública da Redes da Maré. 

Em nota, a Assessoria de Imprensa da Polícia Militar informou que, diante dos desdobramentos da operação no Santo Amaro, o secretário de Estado de Polícia Militar exonerou os comandantes do Comando de Operações Policiais Especiais (COE) André Luiz de Souza Batista e do BOPE Aristheu de Góes Lopes, e afastou preventivamente mais 12 policiais envolvidos da atividade de rua até o esclarecimento completo dos fatos. A Corregedoria-Geral da corporação disponibilizou as armas utilizadas na ação para perícia.

A Assessoria da Polícia Civil informou que a investigação está em andamento na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), e agentes seguem realizando diligências para apurar todos os detalhes do caso.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Lua Brainer entrelaça caminhos de transformações na Maré   

Educadora na Casa das Mulheres, finalizando sua formação em Teoria da Dança pela EEFD/UFRJ e principal gestora do projeto “Ballroom in Maré”, Lua vive, desde muito nova, em processo de transformação