Juventude periférica e trans representada do outro lado do mundo

Data:

Moradora do Jardim Catarina, em São Gonçalo, Eloá Rodrigues disputa na Tailândia a coroa de Miss Internacional Queen 2022

Por Samara Oliveira 

A juventude negra, periférica e transexual do Brasil será representada na Tailândia, no dia 25 de junho, pela beleza de Eloá Rodrigues, hoje nossa Miss Beleza Trans do Brasil. Aos 29 anos (carregando a faixa há um ano e meio), Eloá é cria do Jardim Catarina (São Gonçalo), e vai concorrer com mais 23 candidatas à coroa de Miss Internacional Queen 2022. 

“Desde quando entrei de fato no mundo Miss eu já imaginava os desafios e percalços que teria que enfrentar, simplesmente por ser uma travesti negra. Ouvi e ouço muitos insultos, de pessoas dizendo que ser miss não era para mim. Eu ousei sonhar”, escreveu ela, em sua conta no Instagram.

Às vésperas de embarcar para realizar o sonho de conquistar a coroa internacional, Eloá conta com o apoio de amigos e familiares que acompanharam sua trajetória. Mais do que a performance no palco, os jurados avaliam a oratória das candidatas e, segundo a concorrente gonçalense, como as competidoras se comportam durante os 12 dias de confinamento que antecedem a grande noite. Os desfiles acontecerão em trajes de gala, de banho e mais um traje típico do país de origem. 

Caso se consagre campeã, Eloá ganhará, além do título e da coroa, um prêmio em dinheiro e presentes dos patrocinadores do evento. No entanto, a miss revela que quer mais que isso, sendo um corpo trans e negro saindo do país para lutar pelos próprios sonhos:

“Tenho a responsabilidade de representar de forma positiva a minha comunidade. Compreendo que estou pavimentando um caminho de possibilidades reais, para que toda a sociedade consiga enxergar corpos pretos e LGBTIs de forma humanizada. Fazer parte dessa transformação me dá a certeza de que estou no caminho certo. Espero que as portas para oportunidades profissionais de fato se abram e mais pessoas possam concretizar trajetórias como a minha”, diz.

Nos países asiáticos, o evento poderá ser visto pela TV; para outras partes do mundo, ele será transmitido pelo canal oficial do YouTube e do Facebook do Miss International Queen.

Foto – Matheus Alencar

Beleza Trans Brasil 

Além do passaporte e tudo o que precisa para brilhar, Eloá leva na bagagem um sonho que começou há sete anos, além das merecidas conquistas: duas faixas de Miss T Brasil pelo estado do Rio de Janeiro, em 2019 e 2020. No primeiro ano, alcançou a décima colocação no Miss T Brasil. 

“Entrei no mundo miss no início da minha transição; foi um processo que aconteceu em paralelo. Quando vi a Valesca Ferraz vencendo o Miss Beleza Trans do Brasil em 2014 (a primeira vitória de uma trans negra), vislumbrei a possibilidade de acessar esse espaço, com a certeza dentro de mim que o mundo miss mudaria minha vida. A partir de 2015, passei a me inscrever todos os anos para representar meu estado, mas sempre fui recusada, com o argumento de que ‘não tinha um perfil de miss’”, relembra. 

Os retornos negativos não fizeram com que Eloá desistisse. Em 2019, com o surgimento de uma nova franquia do Miss Beleza Trans do Brasil, ela tentou novamente — não só foi aceita, como ganhou o título.

Rompendo com estereótipos 

Quando se trata de corpos padrão, há a ideia preconcebida de que uma concorrente ao título de miss é apenas um rosto bonito. Diante de uma sociedade estruturalmente racista, essa lógica não se aplica a pessoas como Eloá. 

Além de atriz e modelo, Eloá é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), presidiu por três anos o Conselho Municipal LGBT de Niterói, além de ter sido secretária de Igualdade Racial no Grupo Diversidade Niterói (GDN). 

Militante pelos direitos das pessoas negras LGBTQIA+, ela é frequentemente alvo de ataques nas redes sociais. O mais grave e de maior repercussão aconteceu depois que Eloá foi coroada Miss Beleza Trans do Brasil, em 2020. A página oficial do concurso no Instagram se encheu de comentários de cunho racista (inclusive de uma das candidatas, que acabou em quinto lugar).Na mesma rede social, Eloá também já compartilhou, em seu perfil, postagens dos chamados haters (pessoas que publicam no perfil de alguém xingamentos e comentários grosseiros) apontando uma unha não feita ou seu rosto ao natural, sem maquiagem, e até mesmo a falta de extensões no cabelo. De maneira leve e humanizada, Eloá mostrou-se à altura da coroa que carrega: respondeu às críticas dizendo que “a vida não é estar montada o tempo todo, é correria, mas também é descanso”.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.