Por Edu Carvalho, em 09/09/2021 às 07h
”Não me considero uma ativista ambiental, acho que é rótulo”. É assim que Valdirene Militão, moradora da Maré, na favela Roquete Pinto, se vê. Ela, que tornou-se conhecida por amar o planeta, ter cuidado com as pessoas e os animais, encontra distância do título que a faz ser quem é: uma voz pelo meio ambiente, o clima e a alimentação. ”Pra alguns eu posso ser só conselheira do Consea, pra outros eu sou a doida que acumula”.
É dando outros significados para o reaproveitamento dos materiais que Valdirene enxerga sentido em seu trabalho. ‘’O que as pessoas olham como lixo, eu vejo como potência’’. Uma das ações que faz rotineiramente nos territórios da Maré é coletar caixas que servem de abrigos para animais. Para cada uma delas, chega a juntar cerca de 35 caixas de leite, que viram mantas protetoras. ‘’É mais fácil fazer esse tipo de trabalho aqui (Maré), tem consumo o tempo todo, nós só direcionamos. Quando faço as oficinas fora de favela, escuto muito ‘Não tenho’, ‘Não consumo’, ‘No meu prédio não tem’. A dificuldade é maior fora do que dentro’’, comentou.
Além das caixas, cápsulas de café, bijuterias e garrafas pet entram na lista de itens que sempre procura para reutilizar. São recebidos diferentes daquilo que se posta nas redes, sempre chegando por meio de vizinhos, amigos e conhecidos, que compartilham e marcam uns aos outros nas redes sociais da agente.
Ponto de êxito de seu trabalho foi a produção em junho deste ano, por meio da Fiocruz, de 400 sabões com o reaproveitamento de óleo de cozinha. A atividade é feita desde 2011, tendo sido reconhecida como tecnologia social inovadora dois anos depois. ‘Nossos esgotos não vão ficar contaminados, não ficarão duros. Quem faz a oficina passa na rua e acaba lembrando ‘foi o óleo que joguei na pia’. Quando fazemos o sabão, além de fazer economia doméstica, trocando o detergente, a gente economiza e ainda pode vender’’. Com a produção de um simples sabão, outros eixos são modificados dentro do núcleo familiar, como forma de gerar renda, sobretudo, para as mulheres. ‘’É produzir autonomia. As mulheres não conseguem trabalhar fora, algumas porque os maridos não permitem ou simplesmente por tomarem conta dos filhos. Quando conseguem mudar isso a partir do reaproveitamento, seja pelo sabão ou o artesanato, ela consegue gerar a sua própria renda. É autonomia”.
Durante o último período, entre oficinas e caminhadas pela Maré e outras favelas, sentiu a volta de um velho inimigo do Brasil: a fome. ”Tivemos alunos que só tinham uma única alimentação. Os que tinham, se alimentavam com alimentos ultraprocessados. Estavam sem renda, alguns sem Bolsa Família’’, narra a mobilizadora. ‘’Quando a gente diz segurança, falamos de algo que nos nutre, que nos alimenta de verdade, e nem tudo é alimento. Comidas existem várias, e muitos ultraprocessados, mas são apenas produtos comestíveis’’, distingue.
Com o agravamento da problemática junto a fatores como desemprego e a falta de acesso à direitos como lavar as mãos, viu entidades, coletivos e ONG’s caminharem na busca de solucionar rapidamente o problema. Na Maré, enfatiza, algumas campanhas foram feitas, como o Maré Diz Não Ao Coronavírus, que distribui além de kits de higiene, cestas básicas. Sobre as ações, é categórica: ”Fez toda a diferença”, que também uniu-se a familiares com intuito de diminuir os impactos da falta de alimentos na Roquette Pinto a partir da morte de um cunhado. ”A covid-19 mata e a fome também”.
Prestes a fazer 50 anos, a mulher que é mãe, avó, fotógrafa,,crocheteira e também educadora popular, tem muitos desejos depositados no ciclo gigante, e um deles é a propagar cada vez mais atitudes que preservem o planeta. ”Meio ambiente não é só plantar árvores. Precisamos discutir sobre não colocar óleo na pia, separar o lixo, o que é compostagem. São hábitos que fazemos gradativamente, pensando no todo, não somente em algo distante como plantar árvores. No caso da Maré, é sempre de maneira ampla”.
Ao vê-la com tanto gás, não há como negar aquilo que propriamente a consagra como uma das vozes mais importantes do conjunto, Rio de Janeiro e país. ”Se isso é ser ativista, então eu sou”.