Maré no mapa mundial das descobertas científicas sobre a covid-19

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Conjunto de favelas é parte de uma pesquisa global sobre a eficácia das vacinas contra variantes da doença

Por Luciana Bento, em 07/04/2022 às 14h

O estudo Vacina Maré, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Associação Redes da Maré e a Prefeitura do Rio, revelou boas notícias: com mais de 90% da população adulta dos territórios vacinada com duas doses de AstraZeneca, a contaminação pelo vírus diminuiu nas 16 favelas. 

“A vacina protege em todos os níveis: da morte, da hospitalização, da contaminação pelo vírus e do adoecimento. É claro que esses níveis são diferentes. No caso da contaminação, a proteção é de 65% depois da segunda dose. Quando olhamos para hospitalização e morte, o índice de proteção da vacina sobe para mais de 90%”, esclarece o coordenador do estudo, o pesquisador da Fiocruz e médico infectologista Fernando Bozza.

Esses resultados são comprovados por um dado digno de comemoração: segundo o Painel Rio Covid, da Prefeitura do Rio, de 30 de outubro de 2021 até a data de fechamento desta reportagem (24/03), não houve nenhum óbito decorrente da covid-19 na Maré.

Muito por descobrir 

“Precisamos continuar verificando se há outras variantes ainda não identificadas em circulação no território brasileiro — e, por consequência, na Maré — e saber se elas trazem outros desdobramentos em relação à pandemia”, alertou o médico.

Cerca de duas mil famílias moradoras da Maré (cerca de 6.500 pessoas, incluindo crianças) participam da segunda fase da pesquisa, chamada de estudo de coorte. Nesta fase, um monitoramento de longo prazo avalia a contaminação entre membros da mesma família, como o vírus circula na favela, a proteção indireta das pessoas (se um não vacinado acaba sendo protegido por pessoas imunizadas que vivem à sua volta, incluindo crianças), entre outras coisas. 

A mobilização e o acompanhamento dos moradores voluntários durante todas as etapas da pesquisa têm sido fundamentais, já que é através de coletas de sangue, feitas ao longo do processo, que os dados são coletados — no corre diário, muitas pessoas esquecem e acabam não voltando à unidade de saúde para tirar sangue.
É aí que, mais uma vez, entram os profissionais de saúde e os articuladores de campo da pesquisa, moradores da Maré que conhecem o território e acompanham as famílias, esclarecendo dúvidas, entendendo dinâmicas, auxiliando em casos de reação à vacina e da ocorrência de sequelas pós-covid, e mesmo encaminhando quem precisa de ajuda para melhorar sua saúde mental. 

Uma destas pessoas é Adriana Paiva de Lima, de 33 anos, técnica em enfermagem e moradora do Parque Rubens Vaz. Ela explica que o processo de mobilização e acompanhamento dos moradores é longo e começa com as entrevistas, quando “eles se sentem acolhidos pela nossa equipe. É o momento fundamental para fazer o mapeamento das características e dos aspectos da doença, transmissão do vírus no território, vigilância das variantes e acompanhamento de possíveis efeitos adversos da vacina”, esclarece. 

Para ela foi uma grande satisfação — como moradora, mãe e profissional de saúde — participar da pesquisa. “É algo inédito, que só se via na televisão, mas que estava acontecendo conosco. É muito bom quando vemos os moradores fazendo a coleta de sangue, acrescentando outros participantes do plano familiar na pesquisa, pedindo informações, indo aos encontros na Clínica da Família, atendendo os nossos articuladores e nossa equipe em domicílio…”, relata. 

Fiocruz e Maré, parceria antiga

Projetos de saúde no território e depois, lutas decisivas para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) remontam das décadas de 1970 e 1980. A Maré, como não podia deixar de ser, participou ativamente destas ações e mobilizações por meio de lideranças, instituições e associações de moradores. Foi quando surgiu a relação entre a Maré e a Fiocuz, que se tornou cada vez mais próxima.  

Ao longo dos anos, atividades e ações em defesa da saúde pública mantiveram e fortaleceram esta parceria, mas nada tão inovador e profundo quanto o projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, criado para enfrentar a pandemia nas favelas da Maré e de Manguinhos. Além da Redes da Maré e da Fiocruz, o projeto contou com a parceria do Dados do Bem, do SAS Brasil, da União Rio e do Conselho Comunitário de Manguinhos.

O status atual do Vacina Maré é possível graças à intensa mobilização dentro do território e institucional; Fiocruz é instituição vizinha e parceira de longa data nas ações dentro da Maré | Foto: Gabi Lino

Baseado em quatro ações (Testagem em Massa, Isolamento Domiciliar Seguro, Telessaúde e Comunicação no Território), o projeto encerrou suas atividades em março apresentando resultados muito positivos. Desde que o Conexão Saúde – De Olho na Covid foi implementado, a taxa de letalidade (número de óbitos em relação ao número de casos) na Maré caiu 86,4%: se antes do projeto 16,9% das pessoas com covid-19 morriam, as ações em saúde fizeram esse percentual cair para 2,3%. 

A experiência e os resultados do projeto (aliados ao profundo conhecimento do território fruto de duas décadas de trabalho da Redes da Maré), juntamente com uma parceria com as unidades de saúde, possibilitaram a realização da campanha de vacinação em massa da população ainda em julho de 2021 — momento em que o percentual de vacinados contra a covid-19 no país era muito baixo. Na Maré, 93,4% da população adulta foi imunizada com duas doses de Covishield (vacina do laboratório britânico AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford e, no Brasil, agora produzida pela Fiocruz com o nome de Vaxzevria). 

A ocasião foi a oportunidade perfeita de iniciar o estudo Vacina Maré, considerando as características únicas dos territórios: alta densidade populacional, cadeias de transmissão próprias, grande circulação do vírus e vulnerabilidade social da população — tudo isso combinado com o alto percentual de moradores vacinados. 

SUS: parceria fundamental

Para que o estudo tenha êxito e atinja seus objetivos, o envolvimento das unidades básicas de saúde e clínicas da família da Maré, por meio da CAP 3.1 e da Secretaria Municipal de Saúde foi primordial. 

O engajamento dos profissionais, além de suas qualificações na área de saúde e do conhecimento das dinâmicas do território e das necessidades dos moradores, faz com que as descobertas e os aprendizados da pesquisa sejam genuinamente mareenses, garantindo um legado duradouro para os territórios. 

Sônia Lourenço Silva é moradora de Marcílio Dias. Técnica em enfermagem e agente comunitária do Centro Municipal de Saúde João Cândido, ela é uma das profissionais de saúde que integram o time da pesquisa Vacina Maré:Quando a gente orienta sobre algo que a gente acredita, confia e sabe que é eficaz, é muito mais fácil, é natural. Você passa credibilidade para o morador porque você acredita naquilo em que você está trabalhando e participando.” 

A Vacina Maré faz parte de um estudo mais amplo, o Effect Brazil, que investiga a covid-19 e seus efeitos no Brasil e faz parte de uma pesquisa global sobre a eficácia da vacina contra a covid-19 e as variantes da doença. O estudo está longe de terminar: ele deve durar, pelo menos, mais dois anos e, em sua próxima etapa, vai avaliar a efetividade da vacina em relação à variante Ômicron e a eficácia da dose de reforço, além de analisar amostras do vírus encontradas na Maré para detectar variantes (a chamada vigilância genômica). 

A pesquisa já teve resultados parciais publicados em publicações científicas internacionais, como a revista Clinical Microbiology and Infection, da Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ESCMID). Além da parceria com a Redes da Maré e a Prefeitura do Rio, o estudo conduzido pela Fiocruz tem a participação do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, e conta com financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates.

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