Mareenses lançam caderno com reivindicações ao Governo

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Sede da Fiocruz reuniu lideranças comunitárias e políticas para a entrega de documento

“Primeiro, quero saudar todas as pessoas aqui na mesa e, principalmente, saudar todas as pessoas que estão no dia-a-dia da nossa luta. É muito bom ver vocês aqui. Eu estava vindo para cá e pensando, meu Deus, quase natal. Será que vamos conseguir dar a relevância que tem esse processo? Então, muito obrigada”. A fala foi de Eliana Sousa, Presidente da Redes da Maré e uma das lideranças convidadas para compor a mesa.

O ‘Caderno de respostas: demandas das associações de moradores do Complexo de favelas da Maré’, fruto de um formato conhecido com uma proposta inédita, reúne orientações sobre investimentos e políticas públicas voltados para os 140 mil mareenses e seu território. Para isso, os presidentes das Associações de Moradores foram os escolhidos para representar as vozes das 15 favelas da Maré. A cerimônia aconteceu na última sexta (20), às 10h30, no auditório do Museu da Vida, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Estamos aqui hoje por conta de uma provocação que foi feita em um momento difícil em que nós estávamos vivendo a possibilidade da Guarda Nacional ocupar a Maré. Aquilo nos deixou apavorados. Fomos à Brasília para tentar discutir sobre esse processo e de como o Governo Federal, de alguma maneira, se compromete com essa questão, que é local, mas que não é tão local assim. Questionamos essa possível intervenção e discutimos o papel que o Governo Federal poderia cumprir nesse processo de implementação de direitos. Pensamos: ‘Por que, já que estamos aqui,  não articular para que outras políticas, e não essa que consideramos equivocada da segurança pública, seja apoiada pelo Governo Federal? Por que o Governo Federal não apoia outras iniciativas no campo dos direitos que nós, historicamente, tanto lutamos?’. Nesse ano, faz 30 anos que a Prefeitura do Rio tornou a Maré um bairro, mas ainda não temos uma coisa chamada cidadania de bairro, que são os serviços públicos aos quais toda a população ali tem direito, igual as outras partes da cidade. Como uma pessoa que cresceu na Nova Holanda, lutamos por esse reconhecimento. A Maré tem 140 mil pessoas (Censo Maré). De fato, é maior que 96% das cidades brasileiras. Isso diz muito sobre as demandas que a Maré tem. É importante relembrar essa luta porque são direitos básicos, não um favor”, conclui a presidente.

Junto a eles, outras lideranças formaram a roda de conversa. São elas: Valtemir ‘Índio’ Messias (Presidente da Associação de Moradores da Vila do João); Vilmar ‘Magá’ Gomes (Presidente da Associação de Moradores da Rubens Vaz); Izadora Gama Brito, Secretária-Adjunta da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas; Renata Souza, deputada estadual do Rio de Janeiro; Cristiani Vieira Machado, Vice-Presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Valcler Rangel Fernandes, Assessor Especial do Gabinete da Ministra da Saúde; Karoliny Martins, antropóloga e pesquisadora de Drogas e Políticas Públicas e Josué Medeiros, cientista político e professor universitário. A mediação ficou por conta de Pamela Carvalho, historiadora e pesquisadora na Redes da Maré.

“A gente tem um processo aí em busca por melhorias para as nossas comunidades e não é fácil. Encaminhamos nossas reivindicações e a resposta está aqui hoje. Isso é muito importante para o nosso território, só nos fortalece. Nós, presidentes das Associação de Moradores, sabemos muito bem que não é tão fácil lidar com a comunidade no seu dia a dia, porque o morador cobra muito, e cobra com uma certa razão. Só que nós, gestores, temos as nossas dificuldades, E temos aí hoje a Redes da Maré que está nos ajudando e isso é muito importante para nós. Nós do terceiro setor, organização civil organizada, precisamos de parcerias. Precisamos muito do poder público que olhe para nós e veja nossos direitos, seja na educação, saneamento básico, moradia, enfim. Hoje, por exemplo, na minha comunidade, não temos varredura (varrição de logradouro). Mesmo sendo um bairro com 5 sub-bairros, a gente vive com muita sujeira nas ruas. Espero que essa conversa aqui chegue aos ouvidos do Eduardo Paes (Prefeito do Rio de Janeiro). Os políticos nos procuram em período eleitoral. E nem queria que eles viessem presencialmente não. Que venham para cá, para a comunidade, com serviços, com encaminhamento de serviços, por isso que seja executado plausivelmente para nós, porque as comunidades precisam muito do poder público, e sem o poder público a gente não consegue andar”, relata. Magá completa a fala de Índio: “Eu sou presidente há 33 anos. Pensei que iria morrer e não veria um parque surgindo na Maré para todas as comunidades. Então eu vejo essa luta aqui de guerreiros. E vamos esperar que esse caderno de respostas seja cumprido porque a Maré sofre até hoje com o saneamento básico. Vocês podem ir em qualquer comunidade da Maré, não é só na minha, e tem esgoto a céu aberto”.

Além de devolver o protagonismo da luta aos moradores da Maré, também demonstra que a mudança só é possível a partir da mobilização coletiva e que, por também fazer parte da cidade, a Maré precisa ser incluída na elaboração de políticas públicas e no planejamento orçamentário do governo. Dividido em 13 eixos, o documento reúne demandas referentes aos seguintes temas: educação, direitos socioambientais, segurança pública e acesso à justiça, direitos urbanos e habitação, saúde e segurança alimentar, direitos das mulheres, igualdade racial, arte, cultura e turismo, esporte e lazer, direitos LGBTQIA+, direitos das pessoas com deficiência (PcD), direitos das pessoas idosas, acesso à internet e comunicação, entre outros.

“Já fui estudante da UFRJ, a primeira vez que eu entrei na Maré foi em 1987, 1988. Foi para fazer um trabalho que uma professora nossa provocou: um levantamento dos problemas da Maré. Lendo o caderno de respostas, pensei: ‘gente, esses problemas, que os moradores e as associações relataram, estão aqui ainda hoje. A gente sabe que nesse período de 30 e tantos anos, algumas coisas melhoraram e outras pioraram. Inclusive a situação da violência, que é sofrida cotidianamente pelos moradores e moradoras, muitas coisas pioraram e outras coisas não se resolveram, coisas que a gente pensava que nesse período poderiam ter avançado mais. Então, acho que esse processo (lançamento do caderno de respostas) vem dessa luta de longo prazo dos movimentos sociais e do poder de organização. É uma estratégia que tem uma potência muito grande, de mobilizar as várias áreas do poder público para dar respostas, para se comprometer, é um instrumento de cobrança, de diálogo e, certamente, esse não é o fim”, explica Cristiane Vieira Machado.

O lançamento de um guia que paute as ausências e potências de um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro é histórico. Idealizado desde 2023, o guia de orientações é fruto de mãos e mentes faveladas. Sua produção também contou com o apoio de organizações da sociedade civil que atuam no território, como a Redes da Maré, da Fiocruz, de universidades públicas do Rio de Janeiro e de ministérios governamentais.

“A entrega desse caderno é um marco histórico na luta, em mais um processo de luta da Maré, produzido pela Secretaria-Geral da Presidência, mas com a contribuição efetiva de vários ministérios, de muitos ministérios do governo federal e que visa, entre outras coisas, estabelecer um diálogo permanente, além de facilitar a entrega de políticas públicas que são essenciais para a vida do povo brasileiro. Esse caderno de resposta é uma metodologia estabelecida e aprovada pelo presidente Lula e que é um dos mecanismos de efetivação da participação social na construção de tudo que envolve as ações do governo federal. Essa ação foi motivada por uma provocação de diversas associações e coletivos da Maré, da RedeS da Maré, e está sendo construído por muitas mãos e há muito tempo. Esse caderno é um caderno especial por vários motivos, mas, primeiramente, porque é o primeiro caderno de resposta territorial que a gente faz, e com entregas mais efetivas e diretas para a comunidade. Esse caderno, especialmente, ele vem com entregas efetivas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). E acho que esse caderno é tão especial, tão diferenciado, porque ele também é fruto do que é a história da Maré. Foi um processo de aprendizado muito valioso, muito potente. E poder estar aqui hoje, anunciando não só a entrega do caderno, mas poder anunciar entregas de políticas públicas efetivas para esse território, é muito marcante para a gente. Isso só é possível porque conseguimos eleger à frente da Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, que é um sujeito extremamente comprometido com o povo, comprometido com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, comprometido com a Maré. E, estar aqui cumprindo o que ele pediu, que é colocar as favelas no orçamento público, colocar as vozes e os sonhos das favelas dentro do planejamento e da execução de políticas públicas do Governo Federal, é muito importante”, diz Izadora Gama Brito, Secretária-Adjunta da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas.

Vale relembrar: o Estado brasileiro é formado por três poderes e nós os conhecemos como Poder Legislativo, Poder Judiciário e Poder Executivo. Nenhum funciona sem o outro e, esse último, como o próprio nome já diz, é responsável por governar e administrar. Os representantes do Poder Executivo brasileiro são os governadores (nível estadual) e prefeitos (nível municipal), sendo o Presidente da República responsável por representar os interesses da população em escala federal.

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