Maria Amélia: trajetória da líder comunitária que ainda inspira resistência e luta na Maré

Data:

Maria Amélia construiu uma história junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda

Por Andreza Jorge e Henrique Silva

Edição #158 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que hoje dá nome à uma escola municipal localizada no Campus Maré, foi uma líder comunitária, empreendedora, compositora, ativista e mãe de seis filhos. Foi removida compulsoriamente de casa na extinta favela Praia do Pinto (na zona Sul do Rio) no final dos anos 60 para a favela Nova Holanda.  Mas, ainda como moradora da Praia Pinto, já atuava como ativista nas lutas populares. 

Ao chegar na Nova Holanda, construiu uma trajetória junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda. A organizada, denominada Chapa Rosa, contava com Eliana Sousa Silva, hoje diretora da Redes da Maré,  como presidente. A associação foi responsável por reivindicar políticas públicas fundamentais para o território.

Inspiração

Em entrevista para a pesquisa: A Nova Expressão das Mulheres da Periferia, realizada em 2009, pelo Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Sociais (CACES), Eliana Sousa Silva destacou a importância de Maria Amélia no processo de mobilização comunitária e na construção de sua própria trajetória como liderança feminina de favela.

“Havia um grupo de mulheres através do qual tinha se consolidado uma forte tradição: toda luta daqui passou pelas mulheres. Tinha uma mulher chamada Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que foi com quem aprendi e entendi muito sobre a necessidade de nos organizarmos como moradores. Ela me inspira no trabalho que faço ao longo dos anos. Ela foi fundamental e fez muita coisa acontecer aqui. Ela fazia parte de um grupo chamado: Grupo de Mulheres que lutava exatamente pelas necessidades mais básicas dos moradores. Então, a água que a gente tem hoje é fruto da luta dessas mulheres, assim como a creche.”, explica.

A força de Maria Amélia era um exemplo, pois chegava a lugares impensáveis para mulheres pobres, faveladas, mães. Como parte estruturante da ética feminista, o reconhecimento e fortalecimento de lideranças mais jovens é fundamental para continuidade da luta pelas mulheres por transformação social coletiva. 

Carta ao presidente

No ano de 1979, Maria Amélia redigiu uma carta ao recém-empossado presidente João Figueiredo, que tinha anunciado o Projeto RIO para o Conjunto de favelas da Maré. O conteúdo da carta reflete uma abordagem centrada na aproximação, partindo de uma narrativa comunitária.

Rio de Janeiro, 23 de julho de 1979,
Excelentíssimo Sr. Presidente dos estados unidos do Brasil: João Batista Figueiredo

Não vou pedir nada a vossa senhoria em particular. Como brasileira que sou, creio que o momento é, não de individualização, sim de comunitarismo, creio que todos os cidadãos devem pensar em termos de pátria, nação! Coletividade.”
(Fonte – Arquivo Nacional)

Mobilização cultural

Maria Amélia, nos brinda com diversos exemplos da atuação política dela, como a participação na organização do 1º Encontro Popular pela Saúde, realizado na Cidade de Deus, em 1980. No evento foi apresentado um documento produzido pelo Grupo de Mulheres sobre os problemas enfrentados na Maré e ela escreveu um samba como registro criativo e poético marcando essa  participação:

Lutando contra o azar
Unidos sempre a cantar
Soubemos organizar
O primeiro encontro popular 
Foi tímido foi temido
Mostramos a muita gente
Que não somos formados de bandidos 
Sem confusão… Sem confusão
Sem pires na mão, sem pires na mão

Maria Amélia

Compreendendo a importância das práticas culturais, Maria Amélia também estava implicada coletivamente com outros grupos do território, como o Bloco Carnavalesco Mataram meu Gato. Havia um desejo de mobilizar os moradores para a participação política e, a aproximação do Grupo de Mulheres com  a quadra de samba, foi crucial para o reconhecimento desse grupo como ator político do território. Em entrevista para o jornal Favelão – A voz dos favelados, em 1982, Maria Amélia declarou:

“Como não conseguia mobilizar o pessoal para formar uma associação que é uma necessidade, consegui mobilizar para o bloco, que agora tornou-se um lugar familiar. O bloco ‘mataram o meu gato’, é praticamente o único lazer em Nova Holanda. Conseguimos mesmo, este ano, que o samba que seria cantado no carnaval, não fosse escolhido no gabinete, e foi escolhido na quadra.”

Feminismo favelado

Há uma urgência em resgatar essas ações e lançá-las sob a luz do agenciamento existente nos feminismos favelados que emergem de um olhar concreto na vivência diária e na opressão que atravessa cotidianamente esses corpos, ainda que de forma diferente e desproporcionais. Não existe um feminismo universal!

Ainda, na entrevista ao jornal FAVELÃO – A voz dos favelados, em 1982, quando perguntada sobre: “O que representou o Dia Internacional da Mulher?”, Maria Amélia respondeu:

“Não representou nada para a mulher favelada, é um dia comercial. Na vida comunitária pode ser um dia, quando nos juntamos não para tirar o sutiã em praça pública, mas para reivindicar os nossos direitos”.

Seguindo este mesmo pensamento, Maria Amélia foi uma figura crucial no 3º Encontro Feminista Latino-Americano, que aconteceu na cidade de Bertioga, no Estado de São Paulo, em 1985. Ela compareceu ao evento  em um ônibus fretado, cheio de lideranças femininas de favelas do Rio de Janeiro, como forma de protesto, reivindicando a participação e denunciando a ausência de mulheres faveladas no Encontro.

Todas essas ações foram fundamentais para uma efervescência de liderança e mobilização comunitária que culminou na luta por reconhecimento desse território como um bairro.


Seguimos aprendendo com as que vieram antes de nós e abriram caminhos para sonhos maiores. Enaltecer os 30 anos de bairro Maré é celebrar a luta das mulheres e suas insurgências e seus feminismos favelados. É uma celebração plural, cheia de mãos e corações. É celebrar Maria Amélia e sua força criativa e insistente, enaltecendo quando na vida comunitária precisamos nos unir pela garantia do Direito a vida, contra o genocídio dos homens e meninos de nossa comunidade, contra a desumanização e reivindicação de nosso direito de existir.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por um Natal solidário na Maré

Instituições realizam as tradicionais campanhas de Natal. Uma das mais conhecidas no território é a da Associação Especiais da Maré, organização que atende 500 famílias cadastradas, contendo pessoas com deficiência (PcD)

A comunicação comunitária como ferramenta de desenvolvimento e mobilização

Das impressões de mimeógrafo aos grupos de WhatsApp a comunicação comunitária funciona como um importante registro das memórias coletivas das favelas

Baía de Guanabara sobrevive pela defesa de ativistas e ambientalistas

Quarenta anos após sua fundação, o Movimento Baía Viva ainda luta contra a privatização da água, na promoção da educação ambiental, no apoio às populações tradicionais, como pescadores e quilombolas.

Idosos procuram se exercitar em busca de saúde e qualidade de vida

A cidade do Rio de Janeiro tem à disposição alguns projetos com intuito de promover exercícios, como o Vida Ativa, Rio Em Forma, Esporte ao Ar Livre, Academia da Terceira Idade (ATI) e Programa Academia Carioca