Os idosos da Maré e os cuidados com eles durante a pandemia do novo coronavírus
Jéssica Pires
De acordo com o Censo Maré, em 2014, residiam entre as 16 favelas do território 10.294 idosos. É bem provável que esse número já tenha mudado, mas é fato que o nosso olhar sobre eles na pandemia ficou muito mais atento.
Cuidar dos idosos da Maré é cuidar da memória do território de mais de 140 mil pessoas. Eles são 14% da população desse território. Um perfil que se assemelha ao da cidade. O Rio é a “capital nacional do idoso”: entre 1998 e 2008, a proporção de idosos aumentou de 8,8% para 11,1% na cidade, segundo dados do Instituto Pereira Passos – IPP. O envelhecimento populacional, aliás, vem acontecendo no mundo inteiro.
E por que os idosos são grupo de risco?
Todo mundo já sabe que idosos fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus. Mas por quê? “Existe um progressivo enfraquecimento da imunidade em função do envelhecimento, o que já aumenta o risco de contrair doenças infectocontagiosas”, explica Amanda Dantas, que é médica residente em Medicina de Família e comunidade da UERJ. “Um outro motivo é a fragilidade das mucosas (inclusive das vias respiratórias), o que torna esse grupo mais vulnerável a infecções virais pois é menos uma barreira”. Ou seja, o corpo dos idosos é mais frágil na luta contra o vírus. Além disso, os idosos podem acumular outras fragilidades no organismo, como hipertensão e diabetes, que também são fatores de risco para o coronavírus. Uma outra preocupação é que idosos costumam procurar unidades de saúde com maior frequência e esses ambientes geram um risco de exposição a microorganismos, segundo a médica.
Na Maré, assim como em muitas outras favelas, os idosos acabam, também, assumindo o papel de cuidadores de crianças, que são vetores (agentes que transportam o vírus) comuns, tanto por conta da circulação em diversos espaços, como por apresentarem poucos sintomas. A faixa etária de 60 a 84 anos é a que representa o maior número de pessoas que são responsáveis – únicos ou principais – pelos domicílios no território, segundo o Censo Maré.
Os cuidados com nossos idosos devem ser prioridade nesse momento porque além de toda essa vulnerabilidade, a Maré, como a maioria das favelas do Rio de Janeiro, não tem políticas públicas específicas para o acolhimento dessas pessoas, como a falta de estrutura em saneamento básico e a deficiência da rede de saúde. “Os familiares devem ter atenção redobrada para não levar os vírus para dentro de casa. Evitar transitar com sapatos entre os cômodos, limpar as superfícies, apoio do sofá, das cadeiras, maçaneta das portas”, recomenda Hermano Castro, Diretor da ENSP para a campanha “Se liga no Corona!”, articulada em parceria com a Redes da Maré.
E o que fazer?
Comunique-se!
De acordo com Maria de Fátima de Sousa, psicóloga pós-graduada em terapia cognitivo-comportamental com experiência com idosos, apesar de muitos idosos já viverem em distanciamento social, inclusive das famílias, esse é um ponto importante a se observar. Uma dica de Maria de Fátima é se comunicar. Com as novas tecnologias e mídias sociais é possível encurtar distâncias e laços sem sair de casa.
Mexa-se!
“É preciso manter os idosos ativos durante e após o isolamento para ajudá-los a vencer as barreiras do envelhecimento, possibilitando uma melhora na qualidade de vida física e mental” afirma a professora de educação física Josinete Serêjo. Josinete é coordenadora do grupo “Sorrir é Viver”, do Parque União, que reúne idosos para este processo de envelhecimento saudável. Ela nos conta que durante a pandemia, tem enviado vídeos de exercícios pelo WhatsApp e o grupo tem feito em casa, mas também há muito conteúdo disponível online.
Invente!
“Estou aproveitando pra fazer bastante artesanato”. Teresinha, moradora do Parque União, tem 70 anos e é uma pessoa super agitada, sempre está fazendo alguma coisa. Para aliviar a ansiedade durante o isolamento social, ela faz artesanato. Ela diz que vai buscando em casa materiais que possam ser reaproveitados e vai criando objetos de decoração, e até itens para presentear. Ela preparou um vídeo com uma dica para compartilhar com a gente que vai estar disponível em breve nas redes sociais da Redes da Maré.
Prefeitura disponibiliza vagas em hotéis:
Se na sua casa, ou na casa de algum idoso que você conhece na favela, seja difícil realizar qualquer tipo de atividade ou ele esteja em alta vulnerabilidade e não tenha condições de se manter em casa, a Prefeitura está disponibilizando hospedagem. Mais informações estão disponíveis no portal do 1746 da Prefeitura. Caso o idoso atenda aos critérios para solicitar a vaga, deverá procurar a Clínica da Família de referência.
Não dê mole!
As Clínicas da Família e centros municipais de saúde continuam vacinando idosos contra a gripe. O horário de funcionamento é das 8h às 17h.
Matéria “coordenada”
Eles são a nossa memória
Os idosos da Maré guardam muito da nossa memória e identidade. Dos mais de 10 mil idosos que vivem aqui, 11% residem no Morro do Timbau. Levando em consideração que o morro não é das favelas mais populosas da Maré, é um número considerável. Provavelmente isso ocorre porque o Timbau é “a primeira favela da Maré”. A ocupação da região começou na década de 40, com pessoas removidas dos cortiços do Centro da Cidade, sem poder pagar os aluguéis das casas. As pessoas foram chegando e ficando.
Aliás, o que não falta é história sobre o Morro do Timbau e os moradores de lá, mas isso você pode conferir na publicação Memória e Identidade dos Moradores do Morro do Timbau e Parque Proletário da Maré.
Na Maré têm Griots!
É por meio da oralidade que a memória e identidade mareense é preservada e multiplicada pelos nossos idosos. Na África, griots são pessoas que tinham o compromisso de preservar e transmitir histórias. Elas e eles ensinavam a arte, o conhecimento de plantas, tradições, histórias e davam conselhos aos jovens príncipes. A Maré também tem griots. Elas e eles estão pelo território, se identificando ou não com esse título. A Nova Holanda é o lugar de duas delas: Durvalina e Aidê. Durvalina tem 88 anos e chegou à Maré em 1979. Nessa época, a água era garantida pelas mulheres, que a trazia da Av. Brasil. Aidê tem 87 anos. As duas amigas se conheceram quando Durvalina chegou na Maré. Durvalina, Aidê, Vitória e outras griots, contam, em rodas de conversas, para crianças, jovens e quem estiver disposto a ouvir, sobre suas memórias de vida, e da Maré.