Boletim lançado pela Redes da Maré nesta segunda apresenta dados e análises sobre o direito à segurança pública na região, no último ano
Por Jéssica Pires
Depois de três anos com queda no número de operações policiais na Maré, o território voltou a vivenciar um aumento de ações das forças de segurança, mortes e violações de direitos. É o que mostra a sétima edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, lançada nesta segunda-feira (13). Em 2022, as 26 operações policiais que aconteceram na Maré resultaram em 27 mortes. Das vítimas, 97% eram homens, sendo 81% pretos ou pardos.
Em 2021, foram 20 operações policiais e 11 mortes decorrentes dessas ações; no ano anterior, com a pandemia do coronavírus, 16 operações resultaram em 5 mortes na Maré — esse número representou 85% menos mortes do que no ano de 2019, de acordo com os dados do boletim Direito à Segurança Pública na Maré de 2020.
Ainda segundo o levantamento, entre os meses de setembro e novembro de 2022 — período eleitoral, quando a segurança pública foi destaque na pauta dos candidatos ao governo do estado do Rio de Janeiro e depois, na dos dois candidatos a presidente — registrou-se o maior número de mortes em operações policiais, configurando uma taxa de letalidade significativa.
Para Daniel Hirata, professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos na Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), a direção tomada pela política de segurança pública segue equivocada, tanto do ponto de vista do enfrentamento do crime comum, da criminalidade organizada, como do respeito aos direitos e à dignidade da vida humana.
“A interrupção dos serviços de saúde e de educação, a impossibilidade de trabalhar, os impactos inclusive psicológicos que essas operações provocam nos moradores são indicativos de este não ser o melhor caminho para o enfrentamento da violência.”
Daniel Hirata, professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos na Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF)
Via Judicial
Nos últimos anos, o combate a essa estratégia de enfrentamento adotada pelo poder público apresentou resultados, muito em função do trabalho conjunto de organizações e movimentos da sociedade civil que pensaram e se mobilizaram para acionar a justiça. Foi assim que nasceram a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas,e a Ação Civil Pública (ACP) da Maré.
Uma das exigências da ADPF das Favelas é a apresentação de um Plano de Redução da Letalidade Policial por parte do governo do estado do Rio de Janeiro. Desde fevereiro de 2022, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem exigindo que o estado apresente uma proposta.
O que foi apresentado pelo governador Cláudio Castro em março passado foi rejeitado por não ter levado em conta a participação da sociedade. O STF ordenou que houvesse uma audiência pública para a elaboração do documento. O governo do estado apresentou, em dezembro do ano passado, um novo plano, mas sem mudanças significativas.
No dia 21 de dezembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu um grupo de trabalho, com a participação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, para estudar e formular programas e ações que reduzam a letalidade em ações policiais. “O plano de redução da letalidade policial é fundamental para a queda dos índices da violência do estado. Mesmo com a ausência de diálogo com o governo, entendemos que é uma área de luta política fundamental”, diz Daniel Hirata.
Desrespeito
Apesar de o STF ter determinado que o governo do estado do Rio de Janeiro, como ente federativo responsável pela segurança pública, cumprisse algumas das medidas da ADPF das Favelas, os dados sobre as ações de 2022 evidenciam desrespeito à suprema corte.
No último ano, das operações policiais ocorridas nas regiões das favelas da Maré, não foram identificadas as presenças de ambulâncias e equipes de saúde para socorro às vítimas:
- 62% aconteceram próximo a escolas e creches
- 67%, perto das unidades de saúde.
“Todo este contexto torna-se ainda mais dramático quando constatamos que grande parte das mortes tiveram indícios de execução. Nas operações policiais, o número chegou a 89%. Nestes casos, as vítimas não têm qualquer chance de defesa, elas sofrem uma sentença de morte onde as chances de investigação e responsabilização dos culpados é mínima”, analisa Liliane Santos, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.
“Todo cidadão tem direito a uma defesa de qualidade, ao acesso à Justiça e, se for o caso, ao cumprimento da pena de forma digna”.
Liliane Santos, coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.
Homicídios com indícios de execução, violações de domicílios e danos ao patrimônio de moradores também constam do boletim, que destaca outro elemento frequente e irregular nas operações de 2022: a ausência de perícia nos casos de homicídio, acompanhada da falta de informações sobre pessoas feridas.
Monitoramento
Para que a sociedade e o Estado elaborem soluções e políticas públicas que promovam a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, é fundamental a produção de dados. O trabalho do projeto De Olho na Maré acontece desde 2016, a partir de uma metodologia que conta com uma rede de colaboradores, moradores e organizações dos territórios.
Esse grupo trabalha compartilhando informações sobre o cotidiano das operações e os contextos de violência nas 16 favelas que compõem a Maré. A equipe do projeto coleta das policiais e secretarias de segurança dados que são sistematizados e, a partir de um banco de dados organizado, pública a análise das informações no Boletim Direito à Segurança Pública na Maré.
A 7ª Edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré apresenta dados e análises sobre o contexto da violência armada no conjunto de favelas em 2022 e será lançado este mês. Na próxima página você pode conferir destaques sobre as informações coletadas. O boletim completo está disponível no site da Redes da Maré.
Participe das atividades do Lançamento do 7º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré:
Dia 13/03
Local: Galpão RITMA (Rua Teixeira Ribeiro, 521 – Parque Maré – Entrada franca sujeita à lotação
- 16h – Leitura do Manifesto das Mães da Maré
- 16h10 – Apresentação da metodologia de coleta de dados do “De Olho na Maré!”
- 16h40 – Exibição do vídeo da campanha “É preciso estar vivo para viver”
- 16h50 – Apresentação de SLAM com Math de Araújo e Poeta Stacy
- 17h – Abertura da exposição itinerante “Impactos da violência armada na Maré”
Dia 14/03
Local: Museu de Arte do Rio (MAR) (Praça Mauá, 5 – Centro do Rio – Sala 2.2 Entrada franca sujeita à lotação)
- 13h – Leitura do Manifesto das Mães da Maré
- 13h10 – Apresentação da metodologia de coleta de dados do “De Olho na Maré!”
- 13h40 – Exibição do vídeo da campanha “É preciso estar vivo para viver”
- 13h50 – Apresentação de SLAM com Math de Araújo e Poeta Stacy
- 14h – Abertura da exposição itinerante “Impactos da violência armada na Maré”
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