Mulheres da Maré realizam sonhos depois dos 40 anos e superam o etarismo

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De acordo com dados do Sebrae, o número de empreendedoras por volta dos 40 anos cresceu nos últimos anos e atingiu a maior marca em 2022

Recomeços depois dos 40 anos podem ser desafiadores, mas também emocionantes e gratificantes, principalmente para as mulheres de favela. Muitas delas optam por fazer mudanças significativas na vida nesta fase. Seja mudando de carreira, buscando novos hábitos, engravidando ou até mesmo iniciando ou terminando um relacionamento. Embora a população da Maré seja em maioria jovem, as mulheres acima dos 40 anos também representam uma parte significativa da população do território e mostram que nunca é tarde. 

Escrevendo o futuro

No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de estudar para além do Ensino Fundamental só em 1827, com a Lei Geral promulgada em 15 de outubro. Nesta época, as mulheres negras ainda eram escravizadas e, mesmo após a abolição em 13 de Maio de 1888, a população negra não tinha os mesmos direitos da branca, restando para a grande maioria apenas os trabalhos sub-humanos. Esta herança do período escravagista perpassa os dias de hoje e reflete na realidade de vida das mulheres da Maré e de outros territórios periféricos.

De acordo com o Censo Maré 2019, em torno de 3.959 pessoas entre 40 e 79 anos não sabem ler e escrever no território e, após os 50 anos, o índice de analfabetos é maior entre as mulheres. Porém, o Censo Escolar, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em colaboração com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, mostra que o número de inscritos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) cresceu 23% na última década. 

A Redes da Maré através do Projeto Escreva seu Futuro busca alfabetizar mulheres cuja conexão com o saber escolar nunca foi estabelecida. O objetivo é diminuir esse índice de analfabetismo resultado desta herança histórica e prepará-las para a emancipação. 

O crucial sobre recomeçar é entender a importância da jornada para si própria como forma de autoconhecimento e de superação. A alfabetização para mulheres é uma questão fundamental para garantir o acesso à educação e o desenvolvimento pessoal e profissional delas, permitindo que adquiram conhecimentos, habilidades e autonomia em diversas áreas de suas vidas.

Mulheres de negócios

De acordo com dados do Sebrae, o número de empreendedoras por volta dos 40 anos cresceu nos últimos anos e atingiu a maior marca em 2022, com mais de 10 milhões de mulheres com seus próprios negócios. 

O levantamento revela que 34,4% dos empreendimentos do país são comandados por elas e o Rio de Janeiro é o estado com maior número de empreendedoras, representando 38% do território nacional. 

Mas quem são essas mulheres? Ainda de acordo com o levantamento do Sebrae, 48% das empreendedoras são negras e 67% possuem entre 35 e 64 anos, mostrando que ao chegar aos 40+, as mulheres estão cada vez mais engajadas a recomeçar e se destacar no cenário do empreendedorismo.

Fátima Donária começou seu negócio aos 50 anos. Ela conta que sempre cortou cabelo das irmãs e das amigas: “Fui voluntária em um abrigo de idosas e cortava cabelo com máquina, igual homem, bem baixinho e uma delas pediu um corte diferente e, eu dei meu jeito, mas isso me despertou e fui fazer o curso”, conta.

A cabeleireira revela que foi através do curso Maré de Belezas na Casa das Mulheres, projeto da Redes da Maré que, o lado empreendedor, falou mais alto e resolveu abrir o próprio salão no Parque União.

“Se não fosse esse curso, eu ia atender a domicílio por muito tempo… me aperfeiçoei, fui melhorando cada vez mais e isso foi me dando segurança para atender melhor as pessoas”. 

Maternidade

Outro ponto que as mulheres com 40+ estão ressignificando é o momento da maternidade. O Núcleo de Inteligência da Folha de S. Paulo, a partir dos dados do sistema de informações sobre nascidos vivos do Ministério da Saúde, levantou que o número de mulheres que deram à luz entre os 40 e 44 anos cresceu 50%, entre 1998 a 2017. Além de filhos biológicos, a maternidade através da adoção também tem sido uma opção para mulheres 40+.

Jaqueline  Conceição, de 52 anos, foi mãe de um menino aos 17 anos e sempre sonhou em ser mãe também de uma menina. Após anos de tentativas e abortos espontâneos, ela descobriu que tinha um tumor que a impossibilitava de gestar. Ela conta que sempre teve um grande coração e acolheu, por diversas vezes, crianças na casa dela. Três décadas depois do nascimento do primeiro filho, ela conheceu o amor novamente: Cristiane, a sua menina. 

“Pela minha idade, e tudo que aconteceu comigo, eu não imaginava. A minha cunhada, mãe biológica dela teve uns problemas de saúde, eu levei ela pro hospital. O médico disse que alguém teria que cuidar do bebê. Assisti ao parto, me apaixonei pela Cris e tive certeza que ela era minha filha”, conta.

Emocionada, Jaqueline revela que está mais madura e sente que hoje respeita muito a personalidade da filha: “Aprendi com a idade algumas coisas. Quando ela diz: ‘vamos embora’, eu vou. Ela é minha amiga, é meiga, me beija, diz que eu sou linda, me abraça. A Cris é a alegria da minha vida”. 

Ela reforça a importância da adoção: “Tem tantas crianças querendo carinho, tantas mulheres que não conseguem realizar o sonho de gerar um filho, mas o importante é o coração, então, não desista disso. Eu queria muito e não consegui, mas a vida me deu a Cris e parece que ela saiu de mim. Foi um presente de Deus”.

O etarismo é a discriminação ou preconceito contra pessoas com base em sua idade, geralmente direcionado a pessoas mais velhas. Infelizmente, é uma forma de discriminação comum e pode se manifestar de várias maneiras: como a exclusão de oportunidades de emprego, tratamento desigual no local de trabalho, estereótipos negativos sobre pessoas mais velhas, entre outras.

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