Mulheres, negros e pobres: os mais impactados pela pandemia no Brasil e na Maré

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De acordo com dados de boletins locais, perfil de pessoas que mais se infectam na Maré se manteve em um ano

Por Andressa Cabral Botelho, em 13/04/2021 às 13h10
Editado por Edu Carvalho

“Quem tem abaixo de 40 anos não tem que se preocupar. De 40 a 60 tem suas preocupações e acima dos 60 é cuidado máximo”, observou o presidente Jair Bolsonaro em entrevista no dia 08 de abril de 2020, quando ainda se achava que os mais impactados pela pandemia seriam os idosos e pessoas com doenças pré-existentes. Um ano após essa fala, com dados mais concretos, pesquisas apontam que mulheres, pessoas negras, jovens e adultos e mais pobres têm sido os mais prejudicados durante a pandemia – seja em relação à saúde ou à economia. Mas se, a princípio, o vírus era mais prejudicial para idosos, por que hoje o perfil das pessoas mais acometidas pela covid-19 no país e na Maré é outro?

Para pesquisadores, como o médico e antropólogo Merrill Singer, vivemos hoje o que ele chama de ‘sindemia’, a combinação das palavras sinergia e pandemia. Para ele, uma epidemia sindêmica é uma situação em que o vírus não atua sozinho e que outras variáveis combinadas a ele pioram o quadro da pessoa infectada, sejam doenças pré-existentes, sejam as condições sociais que essas pessoas vivem, entre elas a dificuldade que elas têm de acessar serviços de saúde. A desigualdade social no Brasil tem papel importante na sindemia e como consequência, é possível ver os impactos da doença principalmente em mulheres, pessoas negras (pretas e pardas) e jovens e adultos. O cenário nacional se reflete também na Maré, onde esses mesmos grupos também têm se mostrado como os mais impactados pela doença.

Ao longo de um ano, o boletim De Olho no Corona! vem fazendo um levantamento de casos de covid-19 na Maré a partir de duas metodologias de contagens. Em março de 2020, a contagem se dava a partir do cruzamento de dados de casos confirmados registrados pelo painel da Prefeitura e de casos suspeitos – identificados a partir de sintomas e reportados para o boletim. Desde agosto, com o início do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, é possível ter dados concretos de casos positivos a partir da testagem realizada pelo Dados do Bem na Maré. Mesmo assim, é possível traçar um paralelo dos cenários de maio de 2020 e abril de 2021.

Em 2020, após a publicação da 4ª edição do boletim do Conexão Saúde, foi possível entender quem eram as pessoas que tinham contato com o vírus ou apresentavam sintomas da doença. Entre as 390 pessoas infectadas naquele momento, 66% eram mulheres e 68% se autodeclaram pessoas pretas ou pardas. Quanto à faixa etária, o vírus é mais letal conforme a idade aumenta, mas a faixa etária de 30 a 59 anos é a mais acometida no território, com 58% dos casos. Até o último boletim, publicado no dia 09 de abril, 2.114 pessoas testaram positivo para covid-19 na Maré. Destas, 1.364 são mulheres, o que equivale a 64% das pessoas testadas, 1.151 se autodeclaram pretas ou pardas (54%) e 1.168 pessoas estão na faixa etária de 30 a 59 anos, 55% do total.

Economicamente, essas pessoas também têm sofrido mais. A média nacional da taxa de desemprego de 2020 foi de 13,5%, o que equivale a 13,4 milhões de brasileiros desocupados. Esta é a maior taxa desde 2012, quando os números passaram a ser acompanhados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo IBGE. 

A pesquisa aponta que as mulheres (16,4%) têm ocupado um lugar maior na fila do desemprego em relação aos homens (11,9%). A taxa de desocupação entre pessoas de 25 a 39 anos é de 14,2%, também acima da média nacional, enquanto a faixa etária de 40 a 59 anos, a taxa é de 9,9%. Pessoas pretas (17,2%) e pardas (15,8%) ficaram acima da média nacional de desocupação, enquanto pessoas brancas (11,5%) ficaram abaixo dessa taxa. Ainda segundo a Pnad Contínua, nesse período de pandemia a diferença salarial entre brancos e negros também sofreu alteração. No terceiro trimestre de 2020, a distância chegou a R$1.492, também o maior valor desde o início da pesquisa.

Somos todos iguais, mas nem tanto

A vacinação também é um fator que realça essa desigualdade de classe e raça. O início da imunização foi marcado pela imagem da enfermeira Mônica Calazans, uma mulher negra de 54 anos que atua na linha de frente e que foi a primeira pessoa a ser vacinada no país. No Rio, a cena se repetiu: a idosa de 80 anos Terezinha da Conceição, junto com a técnica de enfermagem Dulcineia da Silva, foram as primeiras a receberem o imunizante. Mesmo sendo maioria da população brasileira (54%, segundo o IBGE), a realidade de pessoas pardas e pretas sendo vacinadas não acompanha essa maioria. Por outro lado, a do número de mortes acompanha.

No país, sete a cada dez pessoas infectadas pela doença são negras, segundo o IBGE. Em uma pesquisa feita pela ONG Instituto Polis, 250 homens negros morrem a cada 100 mil habitantes, enquanto o número de pessoas brancas que falecem por coronavírus é de 157 por 100 mil habitantes. Já entre as mulheres é de 140 mortes de negras frente a de 85 brancas por 100 mil habitantes.

Já o número de pessoas brancas vacinadas é quase o dobro do de pessoas negras: enquanto 3,2 milhões de pessoas brancas já tinham recebido, ao menos a primeira dose, 1,7 milhões de pessoas negras foram imunizadas no país. De acordo com dados organizados pela Folha de São Paulo, 38% de pessoas brancas já foram vacinadas em relação a 21% de pardos ou pretos, além de 12% de pessoas amarelas, 2% de indígenas e outras 27% que não informaram não tiveram a cor informada. “A população negra que chega a mais de 90 anos é menor que a população branca porque a expectativa de vida da é menor, tanto pela morte da juventude negra – por causas externas – quanto por outros acometimentos que o racismo impacta, como a forma que se acessa saúde”, explica Rita Borret, coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, sobre a disparidade entre pessoas brancas e negras vacinadas no Brasil.

O número de pessoas negras vacinadas tende a aumentar, tendo em vista que desde final de fevereiro os remanescentes de quilombolas foram incluídos no grupo prioritário e têm sido vacinados, mas a desigualdade em relação à vacinação segue. Outro fator que ajuda a entender a desproporção de pessoas negras vacinadas é o fato dessa população não estar presente em cargos que majoritariamente já foram vacinados, como profissionais de saúde. 

Outro fator importante a se destacar é a desigualdade social no ato da vacinação. Com o avanço da vacinação na cidade do Rio, é possível perceber também que algumas áreas são negligenciadas com a vacinação, como é o caso das favelas e periferias. De acordo com o boletim do Conexão Saúde, enquanto na Zona Sul 130.730 pessoas foram vacinadas com a primeira dose até o dia 06 de abril, 8.418 moradores da Maré receberam a primeira dose. Dessas, apenas 1.662 já receberam a segunda dose e estão totalmente imunizadas. 

Pensando nessa disparidade que surge a campanha Vacina Pra Favela, Já!, que reforça a necessidade de se criar um plano de vacinação que possa priorizar moradores de favelas e periferias, assinado por 48 organizações, coletivos e instituições das cidades do Rio, Mesquita, Itaguaí que fazem parte do Painel Unificador COVID-19 nas Favelas do Rio. “Seja pela falta d’água nas casas e de acesso pleno aos serviços de saúde, altos índices de servidores essenciais e informais para os quais o isolamento social é impossível, alta densidade intergeracional nas moradias, falta de informações adequadas e verificadas, e diversos outros fatores, o risco de contágio e exposição dos moradores de favela se torna maior e sua capacidade de enfrentamento é menor”, destaca a carta aberta enviada a gestores municipais e estaduais ressaltando a importância da vacinação nas favelas e periferias do estado do Rio.

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