O impacto histórico das fortes chuvas para moradores de favela

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As consequências das fortes chuvas para o Rio de Janeiro são inúmeras, mas para  determinadas áreas, como as favelas, são ainda maiores

Redes da Maré

Com os alertas da prefeitura do município do Rio de Janeiro para as fortes chuvas que vão cair,  neste fim de semana, é importante retomar a discussão sobre racismo ambiental. O assunto foi tratado no Jornal Maré de Notícias, em uma matéria sobre as consequências dessa violação de direitos para as populações mais pobres da cidade.  Por isso, é importante  lembrar o significado desse termo para entender os perigos que a população de favelas e bairros periféricos enfrentam  durante eventos climáticos extremos.

As consequências das fortes chuvas para o Rio de Janeiro são inúmeras, mas para  determinadas áreas, como as favelas, são ainda maiores. Alguns exemplos demonstram o quanto os eventos climáticos atingem de maneira mais específica e severa determinados grupos populacionais, historicamente negligenciados pelo conjunto de políticas públicas. A cada ano, parecem se repetir notícias e eventos trágicos em determinadas áreas da cidade, que sofrem com alagamentos e deslizamentos, comprometendo os bens materiais e a vida de seus moradores. 

 A população em situação de rua da cidade, por exemplo, composta por aproximadamente 7.865 pessoas (sendo 84% pretos ou pardos, segundo dados do censo da população em situação de rua  realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos e o Instituto Pereira Passos),  também sofre consequências graves diante de chuvas como as que estão sendo previstas. Sem uma política clara para garantia do atendimento à  população em situação de rua em casos emergenciais,  como no caso das grandes chuvas que atingem a cidade, essa população tem criado  inúmeras estratégias para se proteger e sobreviver a eventos climáticos tão severos. 

Já no conjunto de favelas da Maré, onde 62,1% da população se autodeclara negra, encontramos um território que tem sua origem marcada pelas obras de aterro para construção da Avenida Brasil em 1940. Ao mesmo tempo, o Estado vinha aterrando o litoral da Baía de Guanabara, principalmente da área do Caju até a cidade de Caxias para criação das áreas industriais da cidade ao longo das primeiras décadas do século XX.

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Décadas mais tarde, os projetos de habitação realizados pelo governo federal durante o Projeto Rio, iniciado em 1979 na região das favelas da Maré, seguiu a lógica do aterramento e construção em áreas alagadiças e de manguezais à beira da Baía de Guanabara, sem um estudo do impacto que esse aterro poderia ocasionar no futuro. Isso faz com que as consequências das mudanças climáticas na Maré tenham um impacto, concreto, na vida e cotidiano dos moradores hoje em dia.

É importante lembrar que na época do aterro do Projeto Rio, técnicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e lideranças das favelas da Maré chegaram a alertar o governo sobre as possíveis consequências dessa obra, inclusive criaram um estudo de impacto. Um dos técnicos da UFRJ que fazia parte do grupo de técnicos, o geólogo Elmo Amador, sugeriu que, em vez do aterro, fosse feita a urbanização da área já existente na Maré, com ligações de esgoto e água, e não o aterro para a construção de novos conjuntos. Mesmo assim, o aterro foi feito em cima das águas e manguezais da Baía.

A construção da rede de esgotos das favelas que integram o bairro Maré foi realizada pela CEDAE, à época, na metade dos anos 80, com muita pressão da população para conclusão das constantes obras de urbanização no Projeto Rio. Naquele momento,  as favelas da Maré tinham, juntas, uma população de 79 mil moradores, segundo o censo da UFRJ de 1988. Hoje, pouco mais de 30 anos depois, esse número quase dobrou. Com uma população de 140 mil habitantes, o número de habitações também subiu, porém, sem manutenção, monitoramento e atualização da rede de esgoto e drenagem.

Apesar de hoje  98% das residências do conjunto de favelas da Maré possuírem acesso à rede de água, o sistema de esgoto e drenagem do conjunto de favelas,  não seguiu a mesma atualização na sua infraestrutura ao longo dos anos. É importante lembrar que apenas uma parte do esgoto das habitações das favelas da Maré está ligada à estação de tratamento da Vila da Penha, enquanto a maior parte do esgoto é despejada diretamente nos rios e galerias que desembocam na Baía de Guanabara, mesmo tendo ao seu lado no bairro do Caju a estação de tratamento de esgoto Alegria (ETA) porém sem nenhuma conexão com o território da Maré.

Há um senso comum, criado em torno da questão ambiental, de que a mudança climática atinge a todos igualmente, o que é um mito. Por isso é necessário falar de racismo ambiental como ausência de políticas urbanas e de saneamento em territórios periféricos e de favelas e das consequências para as gerações futuras que vivem nesses espaços. 

O alerta é para todos os moradores do Rio de Janeiro, mas para os moradores de periferias, espaços favelados e a população em situação de rua na cidade, não há qualquer garantia de que terão suas vidas preservadas e seus direitos garantidos.

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