Por Alexandre dos Santos em 07/10/2021 às 17h45
Nesta quinta-feira 7 de outubro de 2021, o continente africano ganhou o sexto Nobel de Literatura de sua história. O laureado foi Abdulrazak Gurnah, de 73 anos, que nasceu na Tanganica (o nome que a Tanzânia tinha quando foi uma ocupação colonial da Alemanha – entre a década de 1890 e o fim da I Guerra – e depois da Grã-Bretanha, até 1961), cresceu na ilha de Zanzibar e fugiu com a família para a Inglaterra em 1960. O exílio aconteceu durante a instabilidade política e os confrontos contra os britânicos, já que em 1961 a Tanganica se conquistaria a independência da Grã-Bretanha e três anos depois, em 1963, seria a vez do arquipélago de Zanzibar. A instabilidade política e a insegurança continuariam a ser uma ameaça em Zanzibar, até que, em1964, as ilhas e o território da Tanganica, no continente, se justaram para formar a atual Tanzânia.
A academia sueca justificou o prêmio pelo conjunto da obra, que aborda de forma “intransigente e compassiva os efeitos do colonialismo e do destino do refugiado no abismo entre culturas e continentes.” Nos 10 livros (nenhum deles publicado aqui no Brasil, infelizmente) o refúgio e a inadequação não representam apenas quem sai do continente africano, também quem chega e usa sua própria cultura para hierarquizar relações com os povos “atrasados” e “pitorescos”.
É assim no livro “Desertion” (Deserção, de 2005), que conta a história de dois homens brancos que se apaixonam por mulheres tanzanianas. As histórias de cada um deles acontecem com 50 anos de diferença, porém mostram o quanto o olhar etnocêntrico mudou (mas não tanto) e como as noções de valor coloniais ainda são percebidas no presente, com episódios de racismo mais ou menos velados.
A estreia de Gurnah foi com “Memory of Departure”(Memória da Partida, de 1987), que fala das agruras de um jovem pobre do interior da Tanzânia que passa a sofre preconceito e uma série de humilhações quando se mudar para a casa do tio rico que vive em Nairóbi, a capital do Quênia, em busca de melhores condições de vida. Uma história universal. Na obra mais recente, “Afterlives” (Pós-vida, de 2020), o autor descreve episódios da violenta ocupação colonial alemã entre o fi do século XIX e o no início do século XX. Violências refletidas em abusos de autoridade, assédios morais e sexuais, racismo e segregação e o uso da própria violência armada contra as populações locais.
Não apenas nesses dois livros, mas em toda a obra de Abdulrazak Gurnah, estão as visões críticas que fizeram dele o vencedor do Nobel de 2021. Como diz a própria academia sueca: “seus romances fogem de descrições estereotipadas e abrem nossos olhares para uma África Oriental culturalmente diversificada, desconhecida para muitos em outras partes do mundo”.
Viva Abdulrazak Gurnah! Faria muito bem à alma e ao debate antirracista que ele fosse publicado logo aqui no Brasil. Nós merecemos.
P.S.: Como citei aí em cima, o prêmio de Abdulrazak Gurnah representa o sexto Nobel de Literatura para o continente africano. O grande precursor foi o escritor nigeriano Wole Soyinka, em 1996. Em seguida vieram o egípcio Naguib Mahfouz, em 1988, a sul-africana Nadine Gordimer, em 1991). J. M. Coetzee, representando a África do Sul e a Austrália, ganhou o prêmio em 2003 e J.M. Le Clézio, francês e também nacional das Maurícias, nação-ilha na África oriental, foi agraciado em 2008.Todos eles têm livros publicados aqui no Brasil. É só buscar no Google.
Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.