O poder das lideranças comunitárias na melhoria dos territórios

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Lei brasileira instituiu o dia 05 de maio como o Dia Nacional do Líder Comunitário para destacar a importância do trabalho dessas pessoas

Maré de Notícias #124 – maio de 2021
Kelly San e Hélio Euclides 
Editado por Andressa Cabral Botelho e revisado por Julia Marinho

Quando surgem reivindicações dentro das favelas e dos bairros, de um modo geral as lideranças comunitárias se tornam representantes dos moradores na busca por desenvolvimento social e territorial. Celso Athayde, Raull Santiago, Monica Cunha, Tande e Thiago Firmino, Jessé Andarilho e Eliana Sousa são nomes relevantes no Rio que se articulam não apenas pelas suas localidades, como também, em rede, atuam para buscar melhorias para a população de um modo geral.

Na maior parte das vezes, tudo começa na associação de moradores. Vilmar Gomes, mais conhecido como Magá, está na Associação de Rubens Vaz há 31 anos: foi diretor de obra, vice-presidente e, atualmente, é seu presidente. “Quando entramos na luta para ser líder comunitário, temos o objetivo de correr atrás de melhorias para a favela. Alguns moradores compreendem isso e outros não, mas isso faz parte do nosso dia-a-dia”.

Magá se junta a outros 16 líderes na Maré, nas suas respectivas favelas. Pedro Francisco é presidente da Associação do Conjunto Esperança há dez anos. “Os serviços públicos são inexistentes, o Estado é muito ausente. É uma luta diária das lideranças comunitárias, que batem na porta dos órgãos públicos. Eu visto a camisa para liderar verdadeiramente a favela atrás de conquistas. Abrimos mão de muita coisa para investir nessa causa justa que é conseguir recursos e benefícios para os moradores da nossa região”.

Com a pandemia, ficou ainda mais visível o trabalho fundamental dos líderes comunitários para minimizar o impacto da doença nos espaços populares. As campanhas locais de distribuição de cestas básicas surgiram em 2020; um ano depois, essas lideranças entenderam que atuar em rede tornaria o trabalho de saciar a fome de tanta gente mais eficaz e abrangente. As iniciativas Coalizão Negra Por Direitos e Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Redes de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô se uniram e fizeram a campanha Tem gente com fome que, por meio das doações, beneficiará mais de 200 mil famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade.

Lideranças dentro de uma associação 

São muitas as pessoas e instituições que lutam pela garantia de direitos nas periferias. Uma delas é a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), fundada em 1963 para lutar contra as remoções empreendidas pelo governador Carlos Lacerda e a implantação da ditadura militar no Brasil em 1964. Hoje, a federação atua na busca por melhorias para a população da favela e para garantir os direitos sociais conquistados no processo de redemocratização do país. A federação tem a função de fundar, regularizar e dar suporte às associações de moradores. Além disso, representa as favelas frente aos órgãos de governo e faz a organização política comunitária das favelas.

 A Faferj tem Fillipe dos Anjos como secretário geral há quatro anos. Segundo ele, para um melhor desenvolvimento local é necessário que organizações e coletivos se aproximem das associações de moradores. “Penso que os coletivos são o futuro. É preciso uma união com as associações para uma melhor atuação territorial. Hoje é difícil isso, pois o presidente da associação é pressionado pelo poder paralelo, pelo Estado que entra com a polícia nos territórios e pelos políticos que querem comprar votos. Dirigentes de associações trabalham muitas vezes sem se alimentar e dormir direito. Eu lembro do Zé Careca, ex-presidente da Associação do Parque Maré, que foi um arquivo humano da história local”. 

Para homenagear essa brava gente brasileira, a Lei nº 11.287 de 2006 institui o 5 de maio como o Dia Nacional do Líder Comunitário. Muitos vivas a eles!
Valéria Viana, Alusca Cristina e Rafael Valdemiro em encontro do Especiais da Maré antes da pandemia. Foto: Douglas Lopes

Ser liderança não é fácil

Há quem lute pelos moradores fora de uma associação. Fundadora do coletivo Especiais da Maré, Alusca Cristina, juntamente com Valéria Viana, Francisca Juliana, Marcely Olinto, Ana Carolina, Lorrany Gomes e Luiz Costa, criou uma rede para ajudar as pessoas com deficiências, principalmente crianças. São dois grupos no WhatsApp com quase 400 famílias, que trocam experiências, informações e mesmo doações. “Esse trabalho deu sentido à minha vida. Já senti medo, mas percebi que, sozinha, eu não conseguia nada. Só plantei a sementinha e elas deram continuidade”, conta Alusca.

A Gerando Falcões é uma organização social que atua com líderes sociais para mobilização e transformação social em periferias e favelas. Lê Maestro, cofundador e diretor de educação da entidade, avalia que tudo começa pela ausência do Estado, que gera uma série de problemas que afetam diretamente a vida dos moradores desses espaços. “Para tentar cobrir esse buraco, as lideranças sociais agem por meio de projetos que levam às famílias a oportunidade delas viverem seus direitos. Pelo fato da liderança social estar inserida nas favelas atuando diretamente para combater a desigualdade, a nossa atuação se tornou muito importante, extremamente relevante na pandemia.” 

Liderança feminina dentro e fora da favela

Hoje é quase impossível falar de lideranças femininas da Maré sem pensar em Marielle Franco. Ela começou sua trajetória política como líder comunitária (sua principal bandeira foi a defesa dos direitos humanos) antes de entrar para a vida pública, se candidatando a vereadora pelo município do Rio de Janeiro; foi eleita com mais de 46 mil votos. Marielle não só esteve entre os cinco vereadores mais bem votados em 2016 como também protagonizou uma campanha eleitoral que mobilizou pessoas de todos os cantos da cidade.

Embora dados apontem para um número pouco expressivo de mulheres na política, quando convocadas a estar à frente de processos para reivindicação de melhorias de vida da população elas são capazes de mover estruturas. Exemplo disso é Cláudia Lúcia, presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico há 12 anos. Sua trajetória é marcada pelo desejo de melhorias locais e de resolver esses problemas. “Os desafios de comandar uma associação é grande. Vejo o Parque numa situação de abandono e o que eu mais quero é que ele volte a ser um espaço recreativo. Sendo eu uma das poucas mulheres entre muitos homens, também preciso me impor para ser ouvida”, comenta.

Assim como Cláudia, outras mulheres estão à frente de lutas tanto por melhorias locais como também fora do espaço comunitário, criando outras maneiras de ampliar os acessos da comunidade para o restante da cidade. Essa é a história da fundadora da Redes de Desenvolvimento da Maré, Eliana Sousa Silva, que, na década de 1980, protagonizou um fato inédito na Maré ao se tornar, aos 17 anos, a primeira presidente mulher da Associação de Moradores da Nova Holanda. Hoje, à frente da ONG que fundou em 2007, desenvolve e articula projetos importantes para o desenvolvimento territorial, e continua sendo uma referência política nos territórios.

Eliana Sousa Silva foi a primeira mulher a presidir a Associação de Moradores da Nova Holanda. Foto: Douglas Lopes

Exemplos de lideranças femininas são muitos em outras favelas da cidade. Bianca Peçanha (22) é coordenadora do Núcleo Independente Comunitário (NICA), localizado no Jacarezinho. Estudante de escola pública e a primeira de sua família a ingressar em um curso superior, ela conta que deve muito a mulheres negras que vieram antes para que hoje ela pudesse chegar onde está. Bianca entende que, como alguém em um lugar de liderança, o seu papel é dar um pouco do que ela tem para os seus iguais: “Quando entrei na faculdade, senti falta de ver pessoas iguais a mim lá. No segundo período do curso eu já dava aula de geografia no projeto social, e foi quando encontrei o fundador do NICA e decidi somar forças para fazer esse projeto acontecer”.

Seguindo na política institucional, a cria da Maré Renata Souza é jornalista e sempre esteve à frente de lutas políticas para melhorias da favela em que nasceu. Deputada estadual do Rio de Janeiro, foi a primeira mulher negra a presidir a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Hoje, está à frente da Comissão Especial de Combate à Miséria e Extrema Pobreza. Renata se destaca não só por enfrentar uma Alerj de maioria masculina como também ter um importante papel na vida de mulheres negras e periféricas, que enxergam nela uma referência de luta e coragem.

Para homenagear essa brava gente brasileira, a Lei nº 11.287 de 2006 institui o 5 de maio como o Dia Nacional do Líder Comunitário. Muitos vivas a eles!

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