Como saúde, meio ambiente e exclusão social se relacionam durante a pandemia
Maré de Notícias #114 – julho de 2020
Julia Rossi
Desde a década de 1970, com o surgimento dos movimentos ambientalistas, houve uma tendência de separar a noção de sociedade e meio ambiente, homem e natureza, cidade e campo, como se fossem coisas muito distantes. Hoje, entende-se que meio ambiente é como tudo isso está ligado: o homem também faz parte da natureza e a cidade existe por causa do campo e vice-versa. A pandemia é um bom exemplo para entendermos como esse meio ambiente está presente no nosso cotidiano, como também naquilo que muitas vezes não conseguimos ver.
Nas florestas, os vírus se encontram em equilíbrio com os seus hospedeiros, que em geral são mamíferos, sem causar mal a essas espécies. Morcegos e ratos são os hospedeiros mais frequentes, pois existem em grande número na natureza, em diferentes locais do mundo. A destruição das florestas pela ação humana, com o avanço da agropecuária e grandes indústrias, aumenta o risco de seres humanos entrarem em contato com esses hospedeiros, que podem causar doenças desconhecidas. É rápido para um vírus que estava em uma floresta chegar na cidade e por isso o meio ambiente é tudo isso, é essa relação de interdependência entre os seres vivos, inclusive, nós, humanos.
A pandemia fez o mundo todo se adaptar. As relações humanas transformaram-se e a dinâmica da economia foi desacelerada, gerando várias consequências. Com base nos dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), que monitora a qualidade do ar na cidade do Rio de Janeiro, pesquisadores avaliaram os efeitos da pandemia nas concentrações de poluentes em três bairros: Irajá, Bangu e Tijuca. Percebeu-se uma diminuição significativa das concentrações de poluentes em todos os bairros avaliados, sobretudo a partir de 23 de março, quando o governo adotou medidas mais rígidas do isolamento social.
Essa nova dinâmica na produção de bens e serviços pode produzir resultados positivos para a humanidade, desde que os direitos básicos sejam garantidos também para as populações mais vulneráveis. Nas favelas, ficou ainda mais evidente como o acesso ao saneamento e às condições de saúde pública estão relacionadas, como ter acesso à água potável e ao tratamento de esgoto domiciliar e industrial. Como exigir que as pessoas higienizem as mãos se o acesso à fonte de água é precário e os recursos para adquirir sabão e álcool em gel são escassos?
No levantamento de dados em 2013 realizado pelo Censo Populacional da Maré, dos 47.758 domicílios existentes na Maré, 98,3% possuem água canalizada dentro do próprio domicílio. Entretanto, são 417 domicílios com fonte de água apenas na área externa e 151 sem água encanada. Considerando que temos, em média, 3 habitantes por domicílio, cerca de 450 moradores da Maré não possuem acesso à água. Se olharmos para o tratamento de esgoto, a situação também assusta, uma vez que esse serviço público não atende à Maré. Hoje, a Estação ETE Alegria opera com 15% a 20% de seu potencial, atendendo apenas parte da Zona Norte, Centro e alguns bairros da Zona Sul.
A saúde e meio ambiente estão diretamente relacionados e a violação do direito à água e ao esgotamento sanitário gera exclusão social, sobretudo durante a pandemia, quando os cuidados precisam ser ainda mais rigorosos. Existem diversos grupos e pessoas que reivindicam esses direitos socioambientais na Maré. Essa rede está começando a se fortalecer e repensando formas de atuar nesse contexto de isolamento social em que as prioridades se transformaram e se torna ainda mais necessário o cuidado e a união. Alguns deles são: Muda Maré, Eco Maré, CocoZap, Roça, Pontilhão Cultural, Eco Rede, Valdenise, Bhega, Seu João, Seu Hélio, Douglas Thimóteo, Carlos Chagas, Tereza Onã, Karla Rodrigues e outros tantos coletivos e ativistas que estão se somando nessa luta.