Sobre a ambiguidade da vida de jornalista na favela, uma homenagem a todos os colegas de profissão
“Jornalista não pode ser preguiçoso”, ouvi uma vez na faculdade e não esqueci mais. Embora ser jornalista não se resuma apenas à disposição, aquele que vem da favela tem a vantagem de já estar acostumado com a correria. Subindo morro, andando sem sombra de árvore ao meio-dia com o sol castigando, trabalhando desde cedo. Pensando no que escreveria para o Dia do Jornalista, comecei a observar, a semana ficou longa, o tempo passou rápido e a vida foi acontecendo.
Faltou luz, faltou água, teve as feiras, os bares tocando suas músicas, motos, carros e as bicicletas fazendo “o corre”. Aí está, ser jornalista na favela é fazer sempre matérias enquanto você participa delas. É ambíguo. Escrever ao som do brega no bar em frente à redação. Relatar o problema e viver a situação, desde a queda de luz, a falta da internet, a de água e a operação policial. É também entender o outro, se identificar nele e ser consolador quando queria ser consolado. É ainda ter a capacidade de fazer o que quiser, com a sagacidade de favelado, e mesmo assim se colocar como um aprendiz.
É pensar em estratégias para escapar da mesmice. Ler sobre a favela nos olhos de quem nunca pisou nela e não aceitar a visão distorcida e incompleta da realidade. Ser jornalista de favela é ser sensível, ao mesmo tempo que precisa ser forte. Ser subjetivo num espaço que valoriza a objetividade. Ser espectador e protagonista, inconformado e indignado. Ser vizinho do entrevistado, amigo ou parente, afinal, na favela de longe ou de perto todo mundo se conhece. O jornalista de favela é aquele que escreve e ouve da sua janela o que os vizinhos estão falando das notícias na TV. É ser coletivo e solitário.
É também se ver no outro, nos colegas de profissão e de redação, nos jornalistas comunitários que têm a paixão e o brilho no olhar. É se alegrar em cada matéria, nas palavras de ternura e nos comentários de incentivo. É aceitar as críticas como novas oportunidades de crescer. Saber que na favela todo mundo tem seu momento e seu espaço, ou pelo menos deveria. Ser jornalista de favela é não ser compreendido muitas vezes quando não concorda com a maioria, mas compreender porque aceitar a profissão é saber que muitas vezes você vai discordar.
Ser jornalista, de favela ou não, é saber que você não está no centro do holofote, mas pode ser o operador que joga a luz onde precisa. Na favela, o jornalista é mais uma figura comum, mas que não se acostuma e sabe que não devia.