O Rio de Janeiro no mapa da Intolerância religiosa

Data:

Data é comemorada nesta sexta, 21/01

Por Jorge Melo e Giovana Gimenes, em 21/01/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho.

Nesta sexta-feira, 21, é celebrado o Dia do Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela Lei Federal nº 11.635, de 2007. Em 2020, o estado do Rio de Janeiro registrou 1.355 crimes que podem estar relacionados com intolerância religiosa, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Uma média de mais de três casos por dia. Os dados de 2021 ainda não foram fechados. A caracterização do crime se dá pela ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônias religiosas. No Brasil, a discriminação ou preconceito contra religiões é crime. Mesmo assim, os atos de intolerância são recorrentes.

O 21 de janeiro é uma referência à ialorixá Mãe Gilda, candomblecista que teve sua casa e terreiro depredados após ser acusada de charlatanismo. Ela e o marido sofreram agressões físicas e verbais. Após o ocorrido ela teve um infarto fulminante e morreu, no dia 21 de janeiro de 2000.

Intolerância e medo

Para Carlos Alberto Ivanir dos Santos, babalawô, doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militante da luta contra a Intolerância Religiosa, “O Estado brasileiro tal como demonstra a História, não tem os seus olhos voltados para ações concretas, medidas efetivas em prol do diálogo interreligioso, da equidade, da tolerância. Nossos templos são cotidianamente destruídos, queimados. E tais crimes são tratados com descaso ou não chegam a ser noticiados ou notificados.”

Os pesquisadores do ISP acreditam que o número de casos de intolerância religiosa no Rio de Janeiro é ainda maior porque há uma considerável subnotificação; muitas agressões acontecem em áreas dominadas por facções criminosas que se dizem evangélicas e onde a população teme denunciar e sofrer retaliações.

Foto: Henrique Esteves/Divulgação.

O Estado é laico?

De acordo com o Datafolha, a população brasileira é composta por cristãos – 50% católicos, 31% evangélicos e 3% espíritas, 10% sem religião e 2% de religiões afro-brasileiras, Umbanda, Candomblé e outras. Ateus e “outros” representam os 4% restantes. A Constituição em vigor, de 1988, assegura o livre exercício de todos os cultos religiosos. Desde 1890, logo depois da Proclamação da República, houve uma separação oficial entre Estado e Igreja, o Estado laico, ou seja, aquele que não tem nenhuma religião oficial, foi confirmado pela Constituição de 1988.

Ivanir dos Santos observa que os ataques e discursos de ódio contra as religiões afro-brasileiras fazem parte da perseguição ao legado africano no Brasil, ou seja, muitas vezes a intolerância religiosa está ligada ao racismo, “Nos cultos afro-brasileiros você pode encontrar uma interface entre a intolerância religiosa com a questão do racismo”.

Segundo o professor, pastor e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ariovaldo Ramos, “embora o Brasil seja um Estado laico e a maior parcela da população lute por sua defesa, existem, em paralelo, grupos entre os pentecostais e neopentecostais buscando hegemonia religiosa, fortalecendo a intolerância religiosa contra outras religiões e seus fiéis.”

No Rio de Janeiro, os casos de intolerância religiosa podem ser denunciados pelo telefone 190. Desde 2018, a cidade conta com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI). A unidade funciona na rua no Lavradio, 155, Centro. Mas denúncias de intolerância religiosa podem ser apresentadas em qualquer delegacia. Os registros também podem ser feitos pela Delegacia Online da Secretaria de Estado de Polícia Civil. A DECRADI tem também páginas no Facebook e Instagram.

Diálogo religioso

A mãe de santo Conceição Lissa lidera a Kwê Cejá Gbé, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro. A casa, orientada ao Candomblé, Nação Djeje Mahin, foi fundada em 2001 e tem cerca de 50 integrantes. A partir de 2008 sofreu com a violência. Foram oito atentados, inclusive um incêndio que destruiu completamente o terreiro, em 2014.

A reconstrução foi possível graças às doações da Igreja Luterana de Ipanema, e o empenho da pastora Lusmarina Campos Garcia, na época presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado, que doou 12 mil reais para as obras. Um exemplo de respeito, compreensão e solidariedade. Conceição afirma que todas as vezes que a casa sofreu atentados ela fez os reparos necessários e continuou, “Eu digo que resistam não se calem, não se acovardem porque não estamos fazendo nada de errado em professar a nossa fé, a nossa Cultura, louvar nossos ancestrais. Lembrem-se que esses nossos ancestrais sofreram muito mais do que nós para nos deixar ensinamentos, deixar essas manifestações que hoje louvamos. Em respeito a eles precisamos continuar.”

Segundo Conceição os ataques cessaram, a partir de 2014, depois que o terreiro foi incendiado “Ás vezes penso que o criminoso morreu ou está preso.” Conceição lembra ainda que fez diversos boletins de ocorrência, o local foi periciado todas as vezes em que foi atacado mas ninguém foi preso ou responsabilizado pelos crimes.

Lembrar é resistir

Em breve, o município do Rio de Janeiro contará com um conselho municipal para defender a liberdade religiosa e combater os crimes de intolerância. A Lei nº 7.049/2021 foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e publicada no Diário Oficial do Município em 28 de setembro de 2021. O Conselho é formado por representantes do poder público e da sociedade civil sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS).

A comissão foi criada para propor políticas públicas, diretrizes, normas, instrumentos e prioridades para promoção e proteção da liberdade religiosa e combate à intolerância na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Ivanir dos Santos medidas como essa trazem alguma esperança embora o cenário a curto prazo não seja dos mais favoráveis, “mas eu acredito que é possível, de forma concreta, promover a tolerância, o respeito, a equidade e o diálogo interreligioso no Brasil. A mãe de santo Conceição lembra que, “Nossas tradições são nossa forma de resistência. Nossas casas de Axé são Quilombos. Lembrar é resistir.”

(*) Giovana Gimenes é estudante universitária vinculadas ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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