Obra de saneamento na Maré nunca foi concluída

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Iniciada pela CEDAE em 2013, há 10 anos, a obra da rede de esgoto se encontra inacabada e pior, sem responsável 

 Por Júlia Motta (*)

Há anos, os moradores do Conjunto de Favelas da Maré esperam o cumprimento da promessa de uma rede de esgoto que atenda às necessidades da população. Em 2023, essa promessa completa dez anos. De acordo com o projeto da Companhia Estadual de Águas e Esgoto-CEDAE, com previsão de início em 2013, seriam construídos troncos-coletores para levar o esgoto da Maré até a Estação de Tratamento de Esgoto da Alegria, no Caju. Hoje, o que temos é uma obra inacabada e água contaminada escorrendo pelas ruas. 

O principal problema é que o sistema de coleta é antigo, construído quando havia poucas casas. Acontece que hoje já são 140 mil moradores, de acordo com o Censo Maré 2019. O poder público não acompanhou esse crescimento para suprir a ocupação do Conjunto de Favelas e hoje os mareenses enfrentam esgoto a céu aberto e, em período de enchentes, entrando nas casas.

O Sistema de Esgotamento Sanitário da Maré está saturado, operando acima do seu volume limite. Mariane Rodrigues, coordenadora do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, relata que apesar da coleta acontecer, há uma sobrecarga visível. “A gente vê, em temporadas de seca, o esgoto correndo, que vai direto para a Praia de Guanabara, no Conjunto Esperança.”

O elefante branco

A obra dos troncos-coletores fazia parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, o PDGB, criado há 28 anos e não concluído até hoje. A verba para as obras foi suspensa, e a ligação do esgoto da Maré com a ETE Alegria, que hoje opera com apenas 15 a 20% de sua capacidade, nunca aconteceu.  

Apesar da obra completar dez anos, os moradores da Maré não têm esclarecimentos sobre seu andamento. Mariane Rodrigues afirma que “as informações, por exemplo, que constam na Ação Civil Pública-ACP são muito vagas com relação a isso. Eles sempre falam que de fato houve obras, mas foram de manutenção, estruturantes”. 

À época da promessa, em 2012, o Maré de Notícias publicou uma matéria registrando o comprometimento, e em 2021, nove anos depois, foi publicada outra reportagem cobrando a finalização da obra. Além disso, todo ano o Jornal traz relatos de denúncias sobre a situação do saneamento básico no Complexo.

“As ruas são valas puras, mesmo com o sol a água transborda. Sem falar nos insetos que proliferam, como ratos, lacraias e baratas. Já cheguei a contrair uma bactéria na perna. Sempre foi assim, mas piorou com os anos, após o aumento do número de casas. Precisamos de uma solução”, nos contou Daiana Ventura, em 2021, na matéria Regiões da Maré sofrem com galerias de águas pluviais e descarte de esgoto inadequado. Além dela,  Samanta Gracie, Dona Tereza, Vitor Félix, Ruth Osório e muitos outros moradores ouvidos pelo Jornal registraram seus relatos de descaso do poder público com saneamento básico da Maré.

Mão na massa

Diante desse quadro, os próprios mareenses tomam providências. Numa tentativa de melhorar a situação, alguns moradores fazem ligações com as “bocas de lobo”, responsáveis pelo escoamento da água da chuva, com destino aos rios. Isso gera um ciclo de poluição das águas e nenhuma solução definitiva é tomada. “A gente consegue ver uma manilha, que deveria sair só água da chuva, saindo esgoto que vai direto pra Baía de Guanabara”, reforça Mariane Rodrigues.

Durante esses dez anos de obra, a coordenadora aponta que ao invés de melhorias, o que se viu foi a precarização do sistema de saneamento. “São bueiros e bocas de lobo cada vez mais entupidas.” E apesar das cobranças, não há um diálogo com a atual concessionária, Águas do Rio, que se tornou responsável pelo esgotamento sanitário do Rio de Janeiro em 2021. 

Segundo Mariane Rodrigues, há quatro anos, a Redes da Maré tinha contato com o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA), onde conseguia informações através de um defensor público parceiro da Redes, “mas depois que o GAEMA foi desfeito, alguma coisa mudou dentro do Ministério Público e a gente não consegue mais informações. Então há uma dificuldade de acompanhar esse processo”, finaliza Mariane Rodrigues reforçando que ela está tentando resgatar através da Lei de Acesso à Informação.

Esgoto transbordando

Como mais uma consequência do problema, os moradores também sofrem na época das enchentes. Com as bocas de lobo entupidas pela ligação incorreta com as redes de esgoto, a água da chuva não consegue escorrer. “A gente concorda [com a ligação ETE-Alegria] no sentido de que precisamos de obras estruturantes e de atualização”, esclarece Mariane Rodrigues. “Mas junto com essa obra a gente precisa de algumas ações de Educação, de assessoria técnica aos moradores, para que eles entendam qual que é a responsabilidade deles no sentido do que pode ou não fazer”, 

Por essa razão, a coordenadora defende que deve haver uma parceria entre a Águas do Rio, responsável pela rede de esgoto, e a Prefeitura, que trata das águas pluviais. “Não é só o esgoto ali que a gente precisa tratar, né? A gente precisa tratar do saneamento como um todo”, concluí Mariane Rodrigues.

Quem é o responsável?

Durante a investigação, o Maré de Notícias descobriu que a obra não está nem com a CEDAE, nem com a Águas do Rio. Apesar de ter começado a atuar como concessionária dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário do estado do Rio de Janeiro no lugar da CEDAE, em 2021, a Águas do Rio afirmou não ter essa obra em seu planejamento e está responsável apenas pela extensão das redes de abastecimento de água na Maré.

A empresa indicou o contato da CEDAE, que por sua vez disse que por não ser mais a responsável pelo esgotamento sanitário no Rio de Janeiro, não pode informar sobre a obra, e indicou que poderia estar sob comando do Programa de Saneamento Ambiental, que assumiu uma série de projetos de saneamento.

O PSAM é uma iniciativa de ampliação do serviço de saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro, criado em 2011. Em seu site, existe, de fato, a obra da ETE-Alegria, intitulada “Faria Timbó”, nome do tronco-coletor a ser construído. Porém, entre os bairros abrangidos pela obra, não consta a Maré. 

Há previsão de que o Conjunto de Favelas vai receber outro tronco, “Roquete Pinto”, para solucionar o problema do sistema de esgoto sanitário e de drenagem pluvial. A expectativa é de mais espera, já que essa nova obra está na fase de licitação, que é o processo de seleção e contratação de uma empresa para execução da obra. 

Dez anos depois, os moradores do conjunto de favelas da Maré continuam sem a obra, sem um sistema de esgoto compatível com suas necessidades e sem respostas.

(*) Julia Motta é estudante universitária vinculada ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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