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Empreendedores do maior conjunto de favelas do Rio contam como deram a volta na crise econômica vinda da pandemia

Por Luís Augusto de Souza Junior em 09/10/2020 às 15h23

Esse texto é uma iniciativa #Colabora nessa Maré de Notícias, parceria entre o Projeto #Colabora e o Maré de Notícias.

Nas 16 favelas da Maré existem 3.182 empreendimentos, que oferecem serviços variados, segundo o Censo Maré de 2013. O levantamento, realizado pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas, também revela que mais de 60% da renda do território são gerados pelo comércio local, movimentação de quase R$ 120 milhões ao ano. Os números desabaram na realidade econômica pela pandemia, que empurrou o Brasil para a recessão, fechando milhares de empreendimentos pelo país.

Com a desigualdade que nos acompanha desde sempre, tudo é mais difícil para a parcela mais pobre da população. Os empreendedores da Maré conjugaram criatividade e determinação para se reinventar na crise mais profunda de nossa história recente. Um povo que confirma aquela antiga propaganda: não desiste nunca!

Hadelson Gomes em atividade no Salão Barba Negra, na Salsa e Merengue, na Maré.
Foto: Luís Augusto Júnior

Hadelson Gomes, 23 anos, é barbeiro desde os 15. Dono do Salão Barba Negra, na Salsa e Merengue –  uma das 16 favelas da Maré –  ele demorou a acreditar que a doença atravessaria continentes. “No começo achei que não fosse chegar aqui, algo vindo de outro país, a gente não acredita”. Mas a doença não só chegou na sua família como afetou o bolso. Gomes teve que lidar com o drama de ver os pais contaminados pela covid-19. “Foi o momento mais difícil, tive que fazer  a quarentena na casa de um amigo que trabalha comigo”, relembra ele, que vive na Maré desde nove anos de idade.

Ainda havia o desafio de manter o sustento. Ele teve que driblar as dificuldades e fazer malabarismos para garantir a renda na pandemia. “Assim que começou a afetar o salão, fiquei apreensivo. Mas tive a ideia do corte de cabelo a domicílio. Se o cliente não vai até até a régua, a régua vai até o cliente”, filosofa o barbeiro, citando a referência de cabelo bem cortado. “Deu certo e conseguimos inaugurar nosso espaço próprio, bem mais aconchegante e com maior conforto para os nossos clientes”, completa. 

Mas fazer da crise oportunidade não foi exclusividade de Hadelson. Luiz Pereira de Carvalho, 40 anos, e Suenia Pereira de Carvalho, 33, são casados e sócios da confeitaria Luiz Tortas & Bolos, na Vila dos Pinheiros, também na Maré. O casal ficou desesperado quando as encomendas começaram a ser canceladas. “Foi tudo muito rápido, as festas sendo canceladas uma por uma, e a gente não sabia o que fazer”, recorda Suenia.

Pamela botando a mão na massa em sua confeitaria.
Foto: Luís Augusto Júnior

O empreendimento é a única renda da família, e não dava para desistir. “A gente começou a fazer alguns kits de festa em tamanho menor, e entregar em casa, imaginando que as pessoas queriam comemorar datas especiais, como aniversários, dia das mães, dos namorados”, lista Luiz, que consertou a bicicleta para ajudar nas entregas. O resultado foi tão positivo que o casal está entusiasmado com a oportunidade de abrir uma escola de confeitaria, projeto para o próximo  ano.

Adriano  Barros, dono da AD Barros Store
Foto: Luís Augusto Junior

A pandemia e a crise grave econômica levaram a um aumento da preocupação com itens emergenciais e básicos como alimentação, medicamentos e moradia. Comprar roupas novas virou supérfluo – só que não, ensina Adriano  Barros, dono da AD Barros Store, loja inaugurada há um ano na Vila dos Pinheiros. “A minha preocupação maior era porque nossas peças são de maior qualidade, e com custo mais elevado”, explica o empresário, que teve queda de 40% no faturamento.

Mas no meio da crise a solução foi investir. “A gente pensa pensa muito né? E dentro de uma comunidade, sempre se espera uma novidade, foi aí que surgiu a ideia da Loja do Galo, que na linguagem aqui do pessoal é 50 reais, então criei a loja onde todas as peças tem o valor único”, celebra ele. 

Em meio a tantos empreendedores, houve quem infelizmente fechasse as portas em busca de um recomeço. É assim com a nutricionista Gracinete Melo, 37 anos, dona da Nutricorpus Mulher, academia que atendia exclusivamente a mulheres na Vila do João, outra favela da Maré. “O negócio caminhava bem sempre cheia e com clientes de todas as idades, quando veio a ordem para fechar. Quando tentei reabrir quase nenhuma aluna vinha, dormi com a academia cheia e acordei falida tendo que me virar”, atesta. 

A empresária viveu a tristeza de dispensar os profissionais que trabalhavam com ela, mas manteve uma ajuda de custos até a chegada do auxílio emergencial. Diante dos obstáculos, Gracinete criou novo projeto, o Cemopom (Centro Médico Popular da Maré), que visa a atender moradores da comunidade com qualidade superior à da rede pública e com preço mais acessível que as clínicas particulares ao redor da comunidade. “Vou trazer profissionais excelentes que vão atender os moradores daqui. Sei que o retorno vai vir, mas não tenho pressa. Meu objetivo principal é  ajudar a comunidade”, garante.

Porque mareense que se preza não esmorece diante das dificuldades e segue em frente, na procura por uma vida melhor para si e para a comunidade.

Luís Augusto de Souza Junior é estudante de Jornalismo no Centro Universitário Augusto Motta e morador da Vila do Pinheiro, na Maré.

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