André Magno Neves, Carolina H. Galeazzi e Winnie Pereira*
No ano de 2023 vivemos o ano mais quente em 125 mil anos, segundo cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (2023). As alterações climáticas estão alimentando extremos cada vez mais destrutivos, incluindo inundações que mataram milhares de pessoas na Líbia, fortes ondas de calor na América do Sul e a pior temporada de incêndios florestais já registrada no Canadá.
Este ano, todos os olhares estão voltados para o G20, evento que reúne os países com as maiores economias do mundo anualmente para discutir iniciativas econômicas, políticas e sociais. Tratado no G20 desde 2017, o Grupo de Trabalho (GT) de sustentabilidade ambiental e climática tem ganhado cada vez mais força. São discutidos a adaptação preventiva e emergencial frente a eventos climáticos extremos; pagamentos por serviços ecossistêmicos; oceanos; além de resíduos e economia circular. Além dele o GT de Redução do Risco de Desastres aborda questões críticas relacionadas à gestão de crises e catástrofes em escala global. Desempenha papel crucial na promoção da resiliência, prevenção e mitigação de riscos nos países membros. Durante nosso cotidiano sentimos e vemos o quanto é urgente agir de maneira eficiente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Se recuarmos do global para o local, em 2023 vivemos períodos de calor intenso no Rio de Janeiro, e vimos muitas notícias sobre a seca na Amazônia e as inundações no Sul do país. O El Ninõ, agindo em conjunto com o aquecimento global, veio nos dar uma amostra de como será nosso futuro próximo. No Rio de Janeiro, vivemos ondas de calor (que acontecem quando a temperatura está acima do normal por vários dias seguidos) cada vez mais frequentes e de maior intensidade. O “Rio 40 graus” está virando “Rio 60 graus”. Além dos riscos diretos para saúde, com problemas cardíacos e respiratórios, e indiretos, como incêndios, problemas no sistema elétrico por excesso de demanda, quedas de luz, falta de água, aumento dos preços dos alimentos e da água, falta de alimento e de água, entre outros.
Neste contexto, a Maré também precisa se preparar para atravessar as ondas de calor, intensificadas pelo aquecimento global. As temperaturas crescentes se tornam uma ameaça, expondo a comunidade a riscos consideráveis. É preciso adaptação. Diante desses desafios, existem algumas soluções para suavizar o calor dentro de casa e tornar o ambiente mais suportável.
Ilhas de calor e estratégias para enfrentá-las no dia a dia
Para compreender os desafios das mudanças climáticas é importante abordar o conceito de “ilhas de calor”. Esse fenômeno é a formação de áreas urbanas onde as temperaturas são significativamente mais elevadas do que nas áreas circundantes. Ou seja, a sensação térmica pode ser ainda maior do que aquelas anunciadas pelo Alerta Rio.
Conforme relatório recente divulgado pela Redes da Maré, o Respira Maré, as temperaturas podem variar em até 2°C dentro do território. Isso diz respeito ao armazenamento de calor pela forma e materialidade da cidade e à dificuldade de dissipar esse calor, geralmente realizada a partir da ventilação natural. Um morro que barra os ventos dominantes, ou mesmo prédios que impedem a passagem do vento, fazem com que um local possua maiores dificuldades de se resfriar. O fator de visão de céu (o tamanho de céu que enxergamos a partir da rua e da configuração de seus prédios) indica o quanto esse calor pode ser dissipado. Em uma praça, por exemplo, o vento tem maior acesso que em uma rua estreita. O lado positivo é que na rua estreita há o autosombreamento dos prédios, evitando que a radiação direta acesse os apartamentos. A materialidade urbana é outro fator importante. Cada material possui características que absorvem e que tem capacidade de armazenar mais ou menos calor. Quanto mais um material absorve e armazena, mais ele libera calor para o interior da residência, mas também para a própria rua, mantendo uma temperatura média mais alta que em outras regiões, com outras materialidades que refletem o calor.
A medida mais eficaz para diminuir as temperaturas urbanas é a arborização, devido à capacidade das plantas de realizar a evapotranspiração (o processo pelo qual a água é perdida pelas folhas das plantas em forma de vapor), e também impedir que os raios solares acessem certos lugares, através do sombreamento. Quanto mais as plantas sombrearem paredes, lajes e pisos, menos essas superfícies aquecem. Identificar e promover áreas com vegetação proporciona não só sombra refrescante, mas também melhora a qualidade do ar. Incentivar espaços verdes nas proximidades, como praças e parques, quando possível, criar ambientes agradáveis para a comunidade curtir durante os dias mais quentes.
As plantas e árvores têm a capacidade de absorver a água da chuva, permitindo que ela seja gradualmente liberada no solo permeável, em vez de escoar rapidamente sobre o concreto das vias pavimentadas. Isso ajuda a prevenir o acúmulo de água em ruas e terrenos, protegendo a comunidade de inundações e minimizando os impactos negativos das chuvas intensas. Inclusive, essa recomendação não apenas se traduz em benefícios para a saúde, mas também contribui para a beleza estética e a qualidade de vida das comunidades.
Pode-se também modificar os materiais para diminuir o calor absorvido. Por exemplo, pintar telhados e paredes externas com cores claras para refletir os raios solares pode reduzir de maneira significativa a absorção de calor nas habitações. Uma jogada simples, mas eficiente, contribuindo para ambientes internos mais frescos, aliviando o desconforto térmico. A cor branca, por exemplo, absorve apenas 20% da radiação solar, enquanto o preto absorve quase 100%. O asfalto também pode ser pintado, e, dessa forma, atuar na diminuição das ilhas de calor.
Conforme indicações da UNICEF Brasil, sugere-se também não caminhar longos percursos sob o sol em horários mais quentes ( entre 9hs e 16hs), sempre procurar caminhar pela sombra, fazer pausas, se possível, e se hidratar regularmente e mais do que a sede pede. Cuidar da população mais vulnerável como idosos, grávidas e crianças. Em casa, sempre que possível, fechar as venezianas ou cortinas durante os períodos mais quentes do dia e abrir as janelas durante a noite para refrescar a casa. Usar ventiladores e aparelhos de ar-condicionado, se disponíveis.
Seria importante pensar, a longo prazo, em possíveis espaços de refúgio, sombreados e com disponibilidade de água potável, nas ocorrências de calor extremo ou de colapso de energia. A colaboração entre a comunidade local, autoridades e organizações é crucial para implementar e aprimorar algumas soluções. Juntos, podem criar iniciativas que não só encarem os desafios do calor extremo, mas também promovam uma Maré mais fresca, saudável e resiliente. O problema das mudanças climáticas já está aqui e está nos afetando agora. E assim, a mudança também começa agora, e é hora de agir coletivamente para construir uma Maré mais resiliente para todos.
*Grupo de pesquisa e extensão Local-global: ações urbanas pelo clima.