‘Operação verão’ e a segurança pública racista do Rio de Janeiro

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Policiais abordam menores de idade desacompanhados e sem identidade, ação abre debate sobre direito à cidade

Lucas Feitoza e Samara Oliveira

“Daqui do morro dá pra ver tão legal o que acontece aí no seu litoral” diz a letra da música ‘Nós vamos invadir sua praia’ da banda Ultraje a Rigor. A melodia lançada em 1985, há quase 39 anos, ainda se mantém atual. Com a chegada do calor o número de pessoas nas praias aumenta. Pessoas de diferentes partes da cidade e da região metropolitana com o mesmo objetivo: garantir seu espaço na areia e aproveitar um dia de sol.

Entretanto, os registros de violência nas praias de Copacabana chamaram a atenção nos noticiários no início do verão. E na tentativa de combater os crimes cometidos próximo as orlas a Secretaria de Ordem Pública (SEOP) realiza a “Operação Verão”. Em nota a pasta informa que além de atuar no ordenamento e fiscalização de ambulantes que trabalham nas praias os agentes também reforçam o patrulhamento nas orlas e apoiam o policiamento “na abordagem de jovens que vão às praias sem a presença de um responsável e que estão sem documentos.”

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Racismo por trás da ‘segurança pública’

A ideia é que com a atuação dos agentes nos ônibus, jovens infratores sejam detidos. Mas como diferenciar? A pesquisa “Elemento Suspeito” (2022) realizada pelo Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC) mostra que nos transportes públicos 71% dos usuários são negros, e embora representem 48% da população carioca, 68% dos entrevistados dizem que já foram abordados a pé ou de andando de moto.

Andar sem documento é crime?

Questionamos a secretaria porquê a operação aborda principalmente menores de idade sem documento de identificação, já que segundo a defensoria pública, andar sem documento não configura crime. Entretanto, até o fechamento desta matéria a Secretaria de Ordem Pública não respondeu.

Segundo a cartilha da campanha Somos da Maré, Temos Direitos, organizada pelo Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré uma pessoa não pode ser detida ou criminalizada pela falta de documento de identificação. A dica dada à pessoa que está sendo abordada é identificar-se de forma clara e se possível digitar o número do CPF ou identidade, que facilita na identificação. Outra recomendação é filmar a ação.

Em 2017 o projeto de lei (PL) 6.6667/16 de autoria do deputado Bacelar (na época filiado ao PTN-BA e hoje filiado ao PV) tentou tornar o porte de documento de identificação obrigatório inclusive para menores de idade. A punição para quem não estivesse portando o documento poderia variar de multa até apreensão de um a seis meses em alguns casos. Porém o PL foi retirado pelo autor.

A juíza Lysia Maria da Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital, proibiu em dezembro (11/12) a apreensão de menores sem flagrantes. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) revogou a proibição na mesma semana (16/12). Notícia que foi comemorada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que chama a Operação Verão de “abordagem preventiva”.

Para a socióloga e cientista social Raquel Machado, ações como essa celebradas e implementadas pelo governo do Estado caracterizam um modelo de segurança pública racista e repressor para pobres e negros. 

“Isso pode ser visto nas rotineiras e violentas operações policiais, na má utilização das tecnologias na segurança, nas abordagens policiais seletivas, e assim por diante. Durante os verões, os governos estadual e municipal têm se orgulhado das ações da ‘Operação Verão’. Esta é mais uma forma de cercear a circulação dos moradores das periferias, ferindo sua cidadania e o direito à cidade”, afirma Raquel que também é coordenadora de pesquisa do projeto “Drogas: quanto custa proibir” do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC).

Ao analisar a influência direta da Operação Verão sobre o direito à cidade para indivíduos negros e periféricos, Raquel destaca que essa medida vem de um padrão histórico de marginalização de pessoas negras de baixa renda nos centros urbanos. Agravando a situação, essa prática recebe respaldo legal, permitindo sua repetição todos os anos.

“É o racismo que faz com que todas nós, pessoas negras, sejamos alvo da suspeição do Estado”, enfatiza.

Como mudar?

O uso de câmeras corporais em agentes de segurança em todo o Brasil tem garantido redução de violações e violências. Raquel também vê com uma das soluções para mitigar os impactos do racismo nessas ações, mas ressalta “é necessário que haja a garantia do uso correto pelos agentes e a fiscalização das imagens por parte das autoridades.”

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