Para escritora Nélida Piñon, livros sustentam civilização e são ‘carta de alforria’

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Por Hélio Euclides, em 25/04/2021, às 15h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Ainda em relação ao Dia Mundial do Livro (23 de abril), o Maré de Notícias conversou com Nélida Piñon, jornalista, romancista, contista e professora. Sua estreia na literatura foi com o romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, publicado em 1961. Com vasta bibliografia, suas obras – entre romances, contos, ensaios, discursos, crônicas e memórias – foram traduzidas em mais de 30 países. Foi eleita para uma cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1989 e tornou-se a primeira mulher, em 100 anos, a presidir a ABL, no ano de seu centenário. Sua última obra publicada foi o romance Um dia chegarei a Sagres, lançado em 2020. Nélida esteve por duas vezes na Maré, em 2011 e 2019, onde visitou a biblioteca comunitária que leva o seu nome, na favela de Marcílio Dias.

Maré de Notícias: Como a senhora vê os festejos para o Dia Internacional do Livro?
Nélida Piñon: É muito interessante como outros países comemoram o Dia Mundial do Livro de uma forma tão profunda. Na Espanha se celebra uma festa. Na Catalunha é montado quiosques e se tem o enraizado costume de se comprar um livro e uma rosa e dar a uma pessoa. Se tornou um símbolo de amizade e respeito pelo outro. Se reconhece no outro a sabedoria. De uma forma especial, duas pessoas se unem pelo livro e pela rosa. A importância do Diada de Sant Jordi (Dia de São Jorge) e do Dia do Livro chega a ser algo sagrado para a Espanha. 

MdN: Em sua primeira visita à Maré, a senhora falou destacou o papel da palavra. Como é para uma escritora o poder da palavra?
NP: Primeiro, o termo escritora é uma invenção humana. Já a palavra é algo que cada um recebe dos nossos pais, avós, bisavós e tataravós, ou seja, dos antepassados. Quando se colocam as palavras no berço, por mais humilde que sejam, ditas com carinho é fundamental para o conhecimento. Nos humaniza a forma como você fala e se expressa. Ela diz o que você é, a palavra é a mediadora da humanidade.

MdN: Qual a importância dos livros?
NP: As bibliotecas antigas da Alexandria guardam todos os manuscritos das grandes civilizações. São a história. Se nós não conhecêssemos os livros, seríamos como seres da caverna. Nem nossas vozes seriam essas. As obras nos adestram. O livro sustenta a civilização. Somos náufragos sem ele. É nossa carta de alforria.

MdN: Quais as alternativas para esse momento de pandemia?
NP: A pandemia é muito penosa sem um convívio. É ainda pior para quem não tem o livro, é uma solidão vazia. O conhecimento do livro é extraordinário. Um ministro era sedutor, mas não era bonito. Ele usava as palavras para benefício dele, que era seduzir. Para provocar admiração é preciso ter uma sedução verbal. Quem pensa mal, não tem um discurso. Falta conhecimento. São mentes vazias. É preciso sedução na vida com o livro para seduzir o mundo.

MdN: Um dia será inevitável a migração do livro do papel para o e-book?
NP: Sou filha de (Johannes) Gutenberg, por isso não quero viver esse tempo. O livro tradicional nos dá a liberdade, já que ninguém sabe o que está sendo visto ou admirado.

MdN: O que acha dos espaços populares de leitura?
NP: É extraordinário encontrar bibliotecas em comunidades. São pessoas que estimulam a voz de outros. Quando lemos, soma-se a nós 1.000 pessoas. É uma experiência que enriquece. Ninguém passa em silêncio ou vai ser igual após a leitura do livro. 

MdN: O que acha do movimento dos livreiros do Rio, que se uniram em coletivo como forma de enfrentar esse período?
NP: Estão certos, pois a pandemia é muito prejudicial. Está empobrecendo a todos, se tornou uma crise humana. Eu li em um jornal que as consequências dessa pandemia são piores do que as da 2ª guerra mundial. Atingiu todas as funções, como os escritores pequenos, que estão em situação dramática. Todos estamos igualados no tempo.

MdN: Podemos esperar uma terceira visita da Nélida à Maré?
NP: Leitores, tenho a maior admiração pelos fundadores da Biblioteca Comunitária Nélida Piñon, na Maré. Quando tudo isso passar eu quero estar junto para receber do saber.

Nélida Piñon em visita à biblioteca que leva o seu nome em Marcílio Dias. Foto: Rosilene Ricardo
Leia mais: Pobre, favelado e periférico lê, sim!

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