Pesca diminui e poluição aumenta

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Pescadores lamentam a poluição e a escassez de peixe na Baía de Guanabara

Maré de Notícias #125 – junho de 2021

Hélio Euclides

Um pescador remando/ o mar rimando/ alguém admirando. O poema de Alonso Alvarez romantiza o dia a dia da profissão mas, apesar do amor e carinho com o mar, esses trabalhadores da Maré cada vez mais sofrem com a crescente poluição na Baía de Guanabara. Contudo, eles não desistem, superando ondas de dificuldades para levar o peixe para a mesa e o sustento para casa.

A preservação dos manguezais é primordial para a sobrevivência da atividade, já que esse ecossistema é considerado berçário para peixes, moluscos e crustáceos. O biólogo e mestre em ecologia Mario Moscatelli é o responsável pela recuperação dos manguezais do Canal do Fundão, do antigo Aterro Sanitário de Gramacho e das lagoas Rodrigo de Freitas e de Jacarepaguá. Ele ressalta a interconectividade entre o pescador e os peixes e crustáceos: o primeiro depende desses animais para sobreviver e estes, por sua vez, dependem do meio ambiente saudável para nascer. “Transformamos rios em valas de esgoto, baías e lagoas em latrinas e depósitos de lixo, manguezais em lixões. Com isso, reduzimos a biodiversidade, o que acarreta geralmente maior esforço de pesca de cada vez menos peixes”, destaca. 

Pescadores da subcolônia do Parque União com seus barcos atracados no cais, sem atividades, pela falta de pescado por causa da poluição na Baía de Guanabara – Foto: Matheus Affonso

O biólogo acredita que é preciso fiscalização para evitar que o lixo vá para as águas, contribuindo para o processo de extinção em massa da fauna marinha. “No caso do Canal do Fundão, passados quase dez anos do processo de recuperação e reflorestamento do mangue: onde havia apenas lama e detritos, hoje há uma frondosa floresta de manguezais cobrindo 130 mil metros quadrados – que, infelizmente por falta de manutenção estão com muito lixo”, conclui.

Sergio Ricardo é ambientalista e coordena o Movimento Baía Viva, uma iniciativa para preservar a Baía de Guanabara. Ele se preocupa com o ofício do pescador e o desânimo que pode atingir novas gerações que, na atual conjuntura, passam por situação de extrema pobreza. O declínio se dá por conta do número de peixes e caranguejos, cada vez mais escassos na região. 

Em fins dos anos 1970, o estado do Rio de Janeiro era o segundo maior produtor de pescado do Brasil, perdendo apenas para Santa Catarina. “Para voltar a esse tempo é preciso investimento público para cessar a degradação da baía. Hoje, falta uma política pública, uma escola de pesca e a renovação da frota. A Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj) não tem orçamento. Do outro lado, as prefeituras não têm uma política pesqueira”, diz Sergio. 

Uma luz ao fim do túnel é a Universidade do Mar, cujo principal objetivo é a capacitação dos pescadores. O primeiro curso vai não somente ensinar o profissional a pescar como educá-lo sobre seus direitos. “A Petrobras começou a pagar somente este ano indenização aos pescadores pelo vazamento que aconteceu em 2000. O grande problema é que muitos não têm um documento para provar que são pescadores”, diz. Ele defende que órgãos ambientais contratem os pescadores para ajudarem nos manguezais, fortalecendo assim a profissão.

Walmir Junior, coordenador de projetos da Associação de Marcílio Dias, denuncia a falta de implementação das políticas públicas socioambientais – Foto: Matheus Affonso

O amor pelo mar como superação

As águas da baía em torno da Maré poderiam trazer vantagens para os moradores. Walmir Junior, coordenador de projetos da Associação de Moradores de Marcílio Dias, diz que, com a despoluição, a orla poderia ser usada para a prática de esportes aquáticos: “Poderia ter kitesurf, natação, remo e stand-up paddle. O grande problema é que não há preocupação por parte dos governos para as questões socioambientais.” 

Outro problema para os cerca de cem pescadores de Marcílio Dias é o desabamento do cais; não há previsão para a sua reconstrução. “É um desânimo ver o cais no chão. Essa situação atrapalha o descarregamento dos peixes”, desabafa Francisco José, de 64 anos, desde os 11 trabalhando no mar. “No passado tinha mais peixe na baía. Agora, o que encontramos é chorume, que faz mal para gente. No passado, com dois dias no mar, se pegava em média 500 quilos de peixes; agora, são de 60 e cem quilos”, conta.

A falta de políticas públicas na área é unânime na classe. “Teria que ter um benefício específico para o pescador e empréstimos a juros baixos para reformar o barco. Tem pescador com barco quebrado e sem dinheiro para reformar, então vai atuar na reciclagem de garrafa para não morrer de fome”, lamenta José Samuel, de 45 anos, há três décadas vivendo da pesca e hoje integrante da subcolônia do Parque União, que reúne mais de 60 pescadores. Ele ressalta que o melhor da carreira é a solidariedade. 

No Estado, existem 28 colônias. Dessas, cinco estão na cidade do Rio. Na Praia de Ramos, na Maré, há a Colônia Z-11, onde a maioria dos pescadores marrenses é filiada. João Carlos, hoje com 64 anos, tem 55 de profissão: “A pesca é herança dos nossos avós e pais. Enquanto há vida, há esperança. Desejo voltar ao tempo que pescava piraúna e camarão. Já cheguei a pegar 17 quilos de pescada amarela, uma preciosidade.” Ele conta que a colônia auxilia o pescador em situações difíceis, como pedido de socorro no mar, sepultamento e doenças, e ressalta os conflitos com a Marinha. “Pescar na baía é um perigo, pois somos proibidos de chegar perto dos navios ou da Ilha de Boqueirão; acabamos levando tiro. Já fui alvejado por tiros de borracha, dois pegaram e deixaram as marcas. É triste ser trabalhador e ser tratado assim”, desabafa.

Mas tem pescador que navega em outros mares: é o caso de Daniel Regis, que nas horas vagas se transforma em ator (https://www.youtube.com/watch?v=WSW0zVLj6XU). Além de trazer vida ao personagem Joinha Dupla, ele tem uma barraca no Piscinão, onde vende gelo na colônia para complementar a renda. “Se depender do governo, morremos de fome. Nós nos ajudamos, quando chegamos da pescaria, doamos parte da carga para os moradores, catadores e outros pescadores que precisam, é algo gratificante”, conta. 

O apoio ao pescador

A Fundação Instituto de Pesca do Rio de Janeiro (Fiperj) negou em nota que esteja enfraquecida e informou que “realiza junto aos pescadores serviços de orientação, articulação, acompanhamento, organização e discussão com as comunidades tradicionais e órgãos públicos, de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentável da pesca e aquicultura. Assim como incentiva formas de comercialização e beneficiamento do pescado, que resultam em alternativas de diversificação e agregação de valor aos produtos do pescado estimulando a geração de renda e emprego.”

A Marinha do Brasil, por intermédio do Comando do 1º Distrito Naval, informou em nota manter contato estreito com as colônias de pescadores. Além disso, disse que “no último dia 29 de abril foi realizada ação junto aos pescadores da Vila dos Pinheiros a fim de orientar proprietários e regularizar suas embarcações”. Segundo a força militar, nas atividades de inspeção naval na Baía de Guanabara orienta e instrui os pescadores sobre áreas nas quais a pesca não é permitida em proveito da segurança: a menos de 200 metros de áreas militares e da faixa de praia; na área do porto organizado; nas áreas dos aeroportos, e a menos de 500 metros dos terminais de combustível e gás.O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não respondeu ao Maré de Notícias até o fechamento da edição. O espaço permanece aberto para comentários do órgão.

José Samuel, há três décadas vivendo da pesca e hoje integrante da subcolônia do Parque União – Foto: Matheus Affonso

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