Pessoas em situação de rua são mais vulneráveis à violência armada

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Sete pessoas feridas e duas mortas em confronto na Maré nesta terça-feira (29)

Por Jéssica Pires e Camila Barros, em 30/03/2022 às 15h15.

No início da noite de ontem (29), moradores do Parque União, Parque Maré, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau ouviram um intenso confronto. A partir dos relatos, identificou-se que os registros de tiros tratavam-se da consequência de um assalto que aconteceu no mesmo dia na Avenida Brasil. O assalto teria sido realizado por alguém que supostamente se escondeu em um local próximo à cena de uso de drogas da Rua Flávia Farnese, no perímetro entre as passarelas 8 e 9 da via expressa.

Até o momento, foram registradas sete pessoas feridas e duas mortas pela troca de tiros. Todas as vítimas viviam ou frequentavam a cena na Rua Flávia Farnese, com exceção de um dos mortos. Um cachorro também foi morto e outros três cães foram feridos por arma de fogo. Esta rua – que é bem próxima a Av. Brasil – é um importante pólo comercial da região, que abriga uma cena de uso de crack e outras drogas, onde hoje vivem e frequentam cerca de 75 pessoas.

Acolhimento e redução de Danos

As sete pessoas feridas e uma das mortas no confronto eram atendidos pela equipe do Espaço Normal, equipamento da Redes da Maré referência na discussão sobre drogas e saúde mental no conjunto de favelas da Maré. O trabalho com a população de rua iniciou em 2015 com uma aproximação da equipe da Redes da população que mora no local onde se deu o confronto. Depois de 3 anos de criação de vínculo e pesquisa, foi inaugurado um espaço físico em 2018. O principal objetivo do trabalho é pautar uma agenda positiva sobre práticas de redução de danos e políticas de cuidado a pessoas que usam crack, álcool e outras drogas, por meio de frentes de atuação que desenvolvem sobretudo ações de articulação territorial e de acolhimento e apoio à essa população. 

Só esse ano a Redes da Maré registrou 341 atendimentos de pessoas em situação de rua ou que fazem uso abusivo de drogas. Neste trabalho os atendidos são acompanhados por uma equipe interdisciplinar, com a disponibilidade de um espaço de apoio com estrutura para banho, alimentação e convivência em grupo. O nome do equipamento é uma homenagem a Carlos Roberto Nogueira, também conhecido como “Normal” (32). O morador começou a ser atendido e acompanhado pela organização em 2015 e veio a óbito em Janeiro de 2018 por bala perdida no mesmo local onde os tiros foram registrados ontem.

“Infelizmente a história do Normal segue se repetindo por conta dos confrontos entre os grupos armados e a negligência do Estado, que causa situações de vulnerabilidade tais como pessoas vivendo em situação de rua. Perdemos duas pessoas e outras sete foram feridas, o que mostra a gravidade da situação da segurança pública no território e a importância de olharmos para essa população e garantirmos o acesso a políticas públicas de moradia, de alimentação e preservação da vida”, comenta Luna Arouca, coordenadora do Eixo Direito à Saúde da Redes da Maré que também já foi coordenadora do espaço.

Momentos antes dos relatos do confronto, acontecia uma aula da formação com o tema “No balanço da Maré: saúde mental e violência em territórios favelados”, com tecedores da Redes da Maré, no Galpão Ritma, que fica bem próximo à Rua Flavia Farnese. Estavam presentes profissionais que lidam diretamente com essa pauta e frequentadores do Espaço Normal. Na saída da formação, os presentes foram surpreendidos pela movimentação causada pelo incidente.   

O contexto da vivência na rua no Brasil 

O Censo do IBGE não contabiliza a população em situação de rua no país, o que dificulta a inclusão dessas pessoas no planejamento das políticas públicas em geral. Os contextos de agravamento das desigualdades impostos pela pandemia tornaram essa população ainda mais vulnerável. Se para muitos foi um desafio seguir as medidas sanitárias de distanciamento social, higiene e atenção à saúde, para esta população seria quase impossível sem o apoio de organizações sociais, equipamentos públicos e pessoas que continuamente acompanham e promovem ações para estes grupos sociais.   

Violência Armada e População de Rua

A imprevisibilidade de confrontos armados produz uma série de efeitos relacionados à sensação de insegurança, principalmente nas regiões onde reside a população mais pobre e de maioria negra. Isso se agrava na população de rua, principalmente a pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. O resultado da ação das polícias e dos grupos armados para a população da Maré e demais favelas do Rio de Janeiro trazem impactos imensuráveis para a saúde física e mental. A chamada “guerra às drogas” está longe de apresentar resultados eficientes no combate a violência, pelo contrário, alimenta esse cotidiano. 

Dessa forma, no âmbito das muitas dimensões da violência provocadas por esse cenário, a população que vive ou circula na cena de uso apresenta-se como a parcela mais vulnerável a sofrer com os impactos da insegurança pública. Nos últimos cinco anos, entre 2017 e 2021, a Redes da Maré identificou que pelo menos 30 moradores da cena de uso sofreram algum tipo de violação de direito em dias de operação policial e, principalmente, nos confrontos entre os grupos armados. Das violações identificadas, 18 pessoas foram feridas por arma de fogo e 12 foram mortas em confrontos armados. 

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