‘Pink money’ e o mercado LGBTQIAP+ nas favelas

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Potencial econômico é subaproveitado devido a falta de dados e ao racismo

Maré de Notícias #156 – janeiro de 2024. Edição especial resultado do projeto Cores Marés, apoiado pelo Fundo Positivo.

Juliana Neris

Por que optar por uma marca que não reconhece sua identidade? O pink money, expressão utilizada para descrever o poder de compra da comunidade LGBTQIAPN+, tem se tornado alvo das estratégias comerciais de empresas em busca de lucro por meio da inclusão. No entanto, é importante perguntar: por que essas marcas estão tão distantes dos territórios das favelas?

Maior renda

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, o Brasil contava com uma população de 2,9 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que se autodeclaravam gays, lésbicas ou bissexuais. Essa pesquisa revelou outro dado importante: enquanto a renda per capita brasileira alcançava aproximadamente R$ 1.500,00 mensais, nos lares homoafetivos, essa média saltava para R$ 3.500,00.

O diferencial de renda familiar maior e estruturas familiares menores, proporcionam aos casais homoafetivos um consumo diferenciado. Estudos indicam que não apenas os casais, mas todo o público LGBTQIAP+ consome mais produtos de luxo, artigos de design, moda e realiza viagens quatro vezes mais do que a média da população brasileira.

Essa população também tende a gastar mais com cultura, arte, lazer, entretenimento e vida noturna. Suas escolhas de locais, porém, é influenciada pela necessidade de espaços respeitosos, acolhedores e livres de qualquer tipo de opressões.

É nesse contexto que muitas empresas miram no pink money, desenvolvendo produtos e serviços direcionados especificamente para esse público. No entanto, apesar das projeções indicarem que o mercado LGBTQIAP+ no Brasil movimenta cerca de 300 bilhões de reais, há uma carência significativa de dados sobre os LGBTQIAP+ que residem em favelas.

Diversidade favelada

Conhecida como um reduto diversificado para a comunidade LGBTQIAP+, a Maré não é apenas um espaço habitado por pessoas diversas, mas também abriga uma cultura vibrante, repleta de suas próprias demandas e características singulares. Além disso, o conjunto se destaca como palco de eventos significativos para a comunidade, incluindo paradas LGBTs, bares exclusivos e a icônica Noite das Estrelas. 

O Noite das Estrelas foi uma série de shows ocorridos na Maré durante as décadas de 1980 e 1990. Esses eventos eram protagonizados por uma mistura cativante de mulheres transexuais e heterossexuais, travestis, homens cis gays e mulheres lésbicas. Inicialmente realizadas em lajes, festas em casas e encontros informais da comunidade LGBTQIAP+, essas apresentações ganharam destaque e tomaram as ruas da Maré, tornando-se símbolos icônicos da região.

Durante os domingos de julho de 2023, a Nova Holanda foi agitada pela Ocupação Noite das Estrelas, revivendo e homenageando o antigo espetáculo. Esse evento foi idealizado por Wallace Lino, diretor, ator, roteirista, dramaturgo, pesquisador e fundador do Entidade Maré, em colaboração com seu irmão Paulo Victor Lino.

O Entidade Maré foi criado em 2020, reunindo artistas LGBTQIAP+ da Maré, com o propósito de preservar a memória cultural dessa comunidade dentro deste território e na cidade. O projeto é um esforço colaborativo, que envolve diversos artistas e técnicos em cada uma de suas ações.

Perguntado sobre o que ele acha do pink money, Walace diz que o discurso não acompanha a prática.

“É o discurso de um país que tem toda a sua economia e toda sua gestão geopolítica voltada a um sistema escravocrata e quando a gente vai ver o desdobramento, ele não está desassociado da criação de ficções. Na colonização existia uma ficção e que era sustentada a partir da ideia que negros eram inferiores a brancos. E quando a gente transfere para a ideia do pink money, é justamente uma ficção plantada de que existe uma absorção da pauta, da existência e das narrativas LGBTs. O pink money não fala pela economia que é gerada pelas LGBTs pretas.” 

Ainda sobre a ausência de marcas na Maré e o afastamento das gays faveladas, o diretor considera que se trata mais uma vez da influência do racismo, uma vez que “a ausência reafirma que aqui é um lugar perigoso e que os corpos daqui, não são corpos para serem estampados para fora dos noticiários policiais.”

Apesar do sucesso da Ocupação Noite das Estrelas, o diretor conta que está tendo dificuldades para remontar o espetáculo em outros espaços e conseguir financiamento. 

“A gente já se inscreveu em 9 editais e não ganhamos nenhum. O que nós recebemos até agora foram propostas de participações em festivais e participamos de todos que fomos convidados. Tudo que foi fora da favela, a gente foi convidado, porém nunca ninguém teve dinheiro para pagar um dia de apresentação com o elenco inteiro, por exemplo.”

Favela consumidora

Segundo um estudo da Outdoor Social, no Brasil existem aproximadamente 6.329 favelas, com uma população de 11,3 milhões de habitantes e uma renda média familiar de R$ 3.000,00, que consomem cerca de R$ 167 bilhões anualmente.

Nas 16 favelas que compõem a Maré, habitadas por mais de 140 mil pessoas, cerca de 3 mil empreendimentos sustentam a economia local. Essas iniciativas são responsáveis pela criação de mais de 9.000 postos de trabalho para residentes locais e de outras regiões, como revelado pelo Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré. No entanto, é essencial apontar que entre esses dados coletados não fazem recorte à comunidade LGBTQIAP+.

Esta lacuna nos dados evidencia a invisibilidade persistente das narrativas e empreendimentos LGBTQIAP+, levantando questões sobre a ausência de políticas de apoio voltadas não apenas para a vida, mas também para o sustento dessa comunidade, que muitas vezes enxergam no empreendedorismo sua principal alternativa de sobrevivência.

Perda de oportunidades

Entre consumo, mobilidade e status social, onde o lema “compro, logo existo” ecoa especialmente entre os mais jovens, é importante reexaminar e redefinir paradigmas estabelecidos. Surge uma contradição marcante quando estratégias comerciais exploram a identidade LGBTQIAP+ sem um compromisso genuíno com a igualdade e a diversidade territorial.

É nesse embate que se revela a lacuna entre empresas interessadas apenas em lucrar e aquelas verdadeiramente engajadas na promoção da inclusão e respeito. Ao falharem nesse engajamento autêntico, essas empresas perdem não somente a oportunidade de se conectar com a comunidade LGBTQIAP+, mas também deixam escapar a oportunidade de compreender o que essa comunidade tem de mais valioso a oferecer.

Para além da equidade e do respeito, o conjunto de favelas da Maré é um caldeirão borbulhante de criatividade, genialidade, economia criativa, cultura popular, inovação, tecnologia, memória, juventude, afeto e acolhimento. É preciso apostar na favela, mais especificamente na cultura LGBTQIAP+ favelada.

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