Por que é importante saber sobre a Tunísia?

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Por Alexandre dos Santos em 08/08/21 às 7h

Mohamed Bouazizi, um jovem de 26 anos, sustentava toda a família – oito pessoas – vendendo frutas e legumes que carregava num carrinho de mão junto com seus instrumentos de trabalho: algumas ripas de madeiras para montar uma banquinha, uma balança e alguns pesos. Já estava acostumado a ser achacado diariamente por policiais e guardas municipais, mas naquela manhã de dezembro de 2010 a situação foi a pior que ele tinha vivido. Os guardas pediram mais do que o usual, Bouazizi se recusou a pagar e tomaram o carregamento. Quando ele se recusou a entregar também o carrinho de mão a balança e os pesos, tomou uma sova e teve todo o material apreendido.

Desesperado, foi até a sede do governo loca mas foi expulso de lá sem sequer se recebido por qualquer funcionário público que pudesse ouvir sua queixa. Com o pouco dinheiro que tinha, comprou uma garrafa de gasolina e uma caixa de fósforos e tacou fogo em si mesmo, na escadaria.

Parece uma história brasileira? Sim. Poderia muito em ter acontecido em qualquer periferia, comunidade, favela… porém aconteceu em Túnis, capital da Tunísia. A imolação de Mohamed Bouazizi, levou os tunisianos de todo o país a saírem às ruas e protestar contra a corrupção generalizada, a pressão do governo, a pobreza, o desemprego, a falta de oportunidades, a censura e desrespeito aos direitos básicos de ir e vir e liberdade de expressão… Menos de um mês depois, a Revolução de Jasmim apeou do poder o ditador Zine El Abidini Ben Ali, há 24 anos no poder.

A essa altura do campeonato a Revolução de Jasmin já havia se transformado na “Primavera Árabe”, que em 2021 completou 10 anos. Foi um movimento de manifestações populares contra a corrupção e a repressão do Estado nos países islâmicos que derrubou ditadores há décadas no poder, como o egípcio Hosni Mubarak (30 anos no poder), o líbio Muammar Kadafi (42 anos no governo) e Ali Abdullah Saleh, que governou o Iêmen de 1978 a 2012. O tunisiano Bem Ali tinha sido só o primeiro.

Alguns líderes tiveram que ceder para permanecerem no poder, como o rei Mohammed VI do Marrocos e o sultão do Omã, Qabus ibn Sa’id. O sucessor dele, Haitham bin Tariq Al Said, que assumiu depois da morte do antigo sultão em 2020, mantém as reformas e uma inédita garantia da liberdade de expressão da população omani.

Já o famigerado Bashar al-Asaad, cuja família controla a Síria há quase 50 anos, bancou a ferro e fogo a permanência no poder. Como consequência, a guerra civil completa os mesmos 10 anos da Primavera Árabe.

Apesar de ter sido o país cujos impactos foram mais profundas, meros dez anos não são avalistas para mudanças estruturais tão profundas assim. É muito pouco tempo de amadurecimento para uma democracia. E quando tudo parecia ir bem, mesmo aos trancos e barrancos, a Tunísia aparece nos noticiários novamente depois que o presidente Kais Saied usou um dispositivo constitucional para destituir o Primeiro-Ministro, Hichem Mechichi, e fechar o parlamento por 30 dias no fim de julho.

Enquanto se discute se houve golpe ou não, o presidente justifica a ação se dizendo amparado pelas manifestações populares que vinham tomando as ruas das principais cidades tunisianas. Uma parte da população também foi às ruas apoiar a decisão do presidente. O descontentamento com a maneira como os políticos vêm cuidando da jovem democracia da Tunísia é fruto dos próprios ganhos da Primavera Árabe: a liberdade de expressão. As críticas aos políticos, principalmente os do partido majoritário e conservador Ennahdha – assim como a organização dos protestos – são feitas nas redes sociais, capitaneadas por blogueiros, youtubers e tik-tokers, que demonstram toda a insatisfação contra o retorno da corrupção, o aumento do desemprego e a vacinação lentíssima. Os principais vigias das ações dos parlamentares é o coletivo I-Watch, montado por estudantes universitários para denunciar políticos e empresários a partir de documentos, recibos e prestações de contas públicos.

Foi com essa mesma promessa, a de retomar os rumos da economia e da democracia tunisiana e lutar contra a corrupção e os desmandos políticos, que o próprio presidente Kais Saied foi eleito em 2019. Saied, professor de Direito e sem passado político, ganhou as eleições sem estar associado a um partido e com o maior percentual de abstenções das últimas setes eleições no país: 48%.

Um terço dos jovens tunisianos está sem emprego e é forte a percepção de que a corrupção voltou a se entranhar como há dez anos, quando Mohamed Bouazizi precisou atear fogo em si mesmo. Empobrecidos e sem perspectivas, são os jovens que pedem mudanças e apoiam as ações do presidente. Pelo menos até agora.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

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