Proposta foi pensada a partir das experiências de mobilização territorial da Redes da Maré e das agendas que envolvem as pautas ambientais
Antes do processo de urbanização, em 1940, 60% do território que hoje corresponde ao conjunto de favelas da Maré eram áreas de manguezal e alagadiços. A maior parte da região foi aterrada para construção de moradias. Atualmente, a Maré possui uma pequena área de manguezal às margens na Baía de Guanabara.
Segundo o professor Eduardo Almeida, do Departamento de Zoologia do IB-UFRJ: “Os manguezais da Maré, assim como outros manguezais do Oeste da Baía de Guanabara, sofrem com redução da sua extensão e fragmentação. Isso quer dizer que eles hoje são bem menores do que eram antigamente e não são contínuos. Existem pequenas manchas de manguezal em alguns pontos do lado oeste da Baía. Isso acontece porque houve uma sucessão de aterros, inclusive os aterros que formaram a Ilha do Fundão e avanço de zonas urbanas e industriais sobre o que antes era manguezal”.
A maior parte do ecossistema que ainda existe está degradado devido à poluição, despejo de esgoto e descarte inadequado de lixo. As espécies nativas da região perderam espaço para árvores invasoras. A ausência da vegetação típica causa um desequilíbrio ecológico, colocando em risco a fauna local. O projeto EcoClima- Núcleo de Economia Circular e Clima na Maré pretende contribuir para recuperação do manguezal investindo na remoção de lixo, replantio e instalação de barreiras de proteção. Conforme explica Isabela Oliveira, mobilizadora do EcoClima.
“Gostaríamos de fazer a limpeza do canal, retirada de resíduos da margem, fazer um barreira física com aviso para não ter novos descartes e o replantio de espécies de mangue em algumas áreas”, diz a jovem.
A proposta foi pensada a partir das experiências de mobilização territorial da Redes da Maré e das agendas que envolvem as pautas ambientais e a luta pelos direitos socioambientais nas favelas da Maré. Os agentes e mobilizadores do projeto passaram por formação com professores da UFRJ e pesquisadores para planejamento de ações que darão resultados a curto, médio e longo prazo. De acordo com Rian Queiroz, coordenador do EcoClima, o plano envolve parceria com empresas especializadas em diagnóstico técnico e recuperação de manguezais.
“É necessário pensar em parcerias estratégicas, devido à complexidade da operação. Estamos tentando responder a um problema que nem o Estado conseguiu ainda encontrar uma alternativa viável. Claro, estamos limitados a uma fase prototípica, mas demonstra um pioneirismo necessário para pensar inclusive a restauração de outros mangues ao redor da Baía de Guanabara, que enfrentam problemas semelhantes”, salienta o coordenador.
Preservação e resistência
No final de 2023, a equipe do EcoClima realizou um mutirão de limpeza na área de manguezal do Parque União. Foram removidos cerca de 300 quilos de lixo da região onde uma colônia de pescadores resiste. Segundo o coordenador, Rian Queiroz, o plano de despoluição também foi pensado para garantir a subsistência da comunidade pesqueira.
“O movimento vai se iniciar próximo ao Parque União, que tem uma colônia de pescadores e vai descendo em direção sul, rumando para o Canal do Cunha. As intervenções acontecerão no Canal do Fundão. Vale destacar a importância da restauração desse ecossistema inclusive para a sobrevivência da colônia de pescadores e a manutenção econômica dessas famílias”, explica o geógrafo.
O professor Eduardo Almeida ainda destaca a relação do manguezal com a Baía de Guanabara, lar de 245 espécies de peixes e 73 de aves.
“Os manguezais são ecossistemas que servem como berçários para inúmeras espécies marinhas, inclusive espécies comerciais. Dessa forma, quando ‘eu’ removo um manguezal, aterrando ou desmatando, vários recursos pesqueiros podem sofrer extinção ou diminuição local. Além disso, os manguezais guardam uma importante biodiversidade que inclui espécies residentes e espécies migratórias que o visitam em uma determinada época do ano. Servindo inclusive como área de nidificação de inúmeras espécies de aves”, afirma o especialista.
Ele acrescenta que “os manguezais, quando preservados, possuem grande estoque de carbono, o que os torna aliados no combate ao aquecimento global. O manguezal também funciona como uma barreira natural e pode conter a força das marés e enchentes, diminuindo assoreamentos. Ainda, contribui para redução de calor na região”.
Outro objetivo do EcoClima é conscientizar os moradores sobre a importância desse bioma através de ações de educação ambiental. Para Isabela Oliveira recuperar o manguezal é uma forma de manter viva as memórias ambientais e as tradições populares locais.
“Além do benefícios ecológicos. A importância de recuperar esse ecossistema é também recuperar uma memória de como esse ecossistemas já foi para os moradores, que no passado já utilizavam esse lugar como uma fonte de renda como os pescadores que já tinham ali uma fonte de renda”, ressalta mobilizadora do projeto.