Lançado em setembro, plataforma pretende reunir memórias de moradores LGBTQIA+ do território
Thaís Cavalcante
“Naquele tempo, não existia Parada Gay, mas existia show gay. A rua enchia muito. Todo mundo gostava, todo mundo respeitava. Falavam: ‘Ah, mas ela não pode ver um palco!’ Era uma coisa divertida e bem alegre”. O depoimento fala sobre a “Noite das Estrelas”, evento em que transexuais se apresentavam nos anos 80 nas ruas da Nova Holanda, para dar visibilidade ao movimento. Essa história é parte do Projeto Entidade, plataforma on-line lançada neste mês de setembro junto com a 10ª Parada LGBTQIA+ da Maré, a primeira virtual em decorrência da pandemia. O projeto trabalha a escrita territorial com foco nas narrativas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexuais (LGBTQIA+) das 16 favelas da Maré.
Com a invisibilização que essas pessoas sofrem na família e até no próprio território, o projeto inédito traz a oportunidade de encontrar vivências espalhadas pela Maré. “Estamos reunindo pessoas a partir da sua história, não apenas pela sua sexualidade. Tudo que você é conta nesse contexto”, diz Jaqueline Andrade, atriz e uma das criadoras. “Quero que muita gente se identifique e perceba que não estão sozinhas. É especial por isso, poder se ver no outro”, completa.
Wallace Lino e Paulo Victor são irmãos e artistas, Wallace e Jaqueline atuam na Cia Marginal e Paulo no grupo ATIRO. Juntos, os três decidiram encontrar formas de valorizar a importância histórica de construir narrativas LGBTs de favela. Um time ainda maior soma com as produções para a internet: profissionais de comunicação, tecnologia, pesquisa, audiovisual, educação, entre outros. O formato de conteúdo digital foi motivado pelo cenário atual. “A internet trouxe mais proximidade e conectividade às pessoas durante a pandemia, por isso o projeto pode ser experimentado de casa”, conta Paulo.
Experimento afetivo e interativo
A experiência on-line do Entidade é afetiva: leva o ouvinte a descobrir histórias e se emocionar junto com quem as conta, despertando na pessoa sentimentos diversos, como saudade, alegria e até curiosidade ao ouvir as histórias. “É uma experiência muito sensível, então é importante ter um tempo para se dedicar e acompanhar o passo a passo do experimento para chegar até o final. Nele, colocamos muito afeto e cuidado para que as pessoas vivam a Parada LGBT como a gente viveu e construiu”, destaca Jaqueline.
Gilmara Cunha, diretora executiva do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, foi a primeira entrevistada do projeto. A ideia é que outras instituições, movimentos e eventos, como a Parada Gay da Maré, estejam conectados e sejam mais visibilizados dentro e fora do território, assim como as histórias dos próprios moradores.
Sobre o futuro do projeto, Paulo Victor conta que pretende fazer uma cartografia da Maré a partir das histórias e dos experimentos. “É uma construção de narrativas. Ela nunca vai estar pronta”. Pensar de forma colaborativa fez o resgate de memórias ser transformado em intensa produção local. Não à toa, Entidade foi um dos ganhadores da Chamada Pública: Novas formas de fazer Arte, Cultura e Comunicação nas Favelas 2020, realizada pela Redes da Maré, em parceria com a People’s Palace Projects, Itaú Cultural e patrocínio do Banco Itaú.
Por que o nome Entidade?
Para além da religiosidade, Entidade significa aquilo que constitui a existência de algo real; essência.
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