São mais de 3 mil empreendimentos no território e muitos usam da criatividade para conquistar seus clientes.
Por Thaís Cavalcante em 08/12/2020 às 08h Editado por Edu Carvalho
Em um cotidiano recém-chegado do isolamento social, basta circular pelas ruas mais movimentadas da Maré aos finais de semana para perceber que não há limites para a criatividade gastronômica da favela. Além de ser rentável, é uma das maiores apostas dos empreendedores dentro do território. É o que diz o levantamento do Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré. Entre as atividades econômicas mais frequentes do território, estão os bares, beleza e estética, roupas, mercados e lanches. São empreendimentos para todos os gostos, estilos e em diferentes favelas da Maré.
Os negócios recriam marcas, apostam em tendências de mercado e usam de toda a criatividade para fazer dinheiro nas favelas da Maré e de todo o país. De acordo com a pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, feita pelos Institutos Locomotiva e Data Favela, a população que vive em favelas brasileiras movimenta R$119,8 bilhões por ano.
A diversidade das necessidades se traduz em feiras de rua, lojas fixas e barraquinhas. No total, são 3.182 empreendimentos na Maré, entre setores do comércio, serviços e indústria. Como se tivesse um negócio para cada 42 moradores. Atividades que se importam não só com a quantidade e qualidade, mas também na forma de divulgação e no uso da propaganda, que é um conjunto de ações que buscam anunciar um produto ou serviço para o público.
Outbêco: vai uma costela com fritas?
Para fazer diferente e chamar a atenção vale até fazer paródia. Outbêco – Strokehouse é uma das novas sensações que domina as favelas do Rio e surpreende por onde passa. Já são 20 franquias espalhadas pela zona norte carioca. O empreendimento que chegou na Maré recentemente – Parque União em novembro e na Vila do Pinheiro em dezembro – chamou a atenção da população mareense pelo nome inusitado e pelo sabor delicioso. Outbêco é uma paródia do Outback – Steakhouse, uma das maiores empresas de jantar casual do mundo que oferece comidas australianas.
A ideia veio de Dani Félix, professor e cria da Baixada Fluminense. Ele foi desafiado em uma reunião e dali em diante, apostou na sua ideia e a colocou em prática em agosto deste ano. “Meu sonho era colocar franquias dentro das comunidades para estimular pessoas a serem empreendedores. Investir no negócio é relativamente barato e o empreendedor ainda aprende sobre comportamento, marketing e finanças”, conta Dani. Ele acredita que a resiliência é o que faz tudo girar, mesmo em tempos tão difíceis quanto à pandemia de covid-19.
Natália Soares apostou no Outbêco no Parque União porque acredita que o maior movimento financeiro está na favela. Ela conta que seu negócio tem boas características: preço acessível e um produto de qualidade. “Esses primeiros dias de trabalho têm sido intensos, divertidos e de muito aprendizado pra mim. O trabalho supriu minhas expectativas quanto à venda, estamos trabalhando muito. Eu nunca atuei no ramo de restaurantes, mas comecei desde cedo vendendo trufas”, conta.
Bar da Amparo: Culinária Brasileira dentro e fora da favela
O Bar Amparo é um charmoso gastrobar, localizado na Baixa do Sapateiro e feito para reuniões em família, encontro de amigos e confraternizações de trabalho. A comida brasileira oferecida é feita pelas mãos da pernambucana Amparo, dona do restaurante junto com a família e moradora da Maré. Para que essa culinária brasileira pudesse ser ainda mais conhecida – assim como o cheiro de sua comida bem temperada – o Bar passou a apostar em posts produzidos nas redes sociais, atendimento personalizado no WhatsApp e no delivery para as favelas da Maré e para bairros da zona sul e centro, por exemplo.
O restaurante ficou tão famoso que foi parar no programa de televisão Cozinheiro vs Chefes, do SBT em outubro. Foi uma das três finalistas mostrando que talento e afeto se misturam e podem se espalhar de um jeito fácil. “Minha carne é bem suculenta e feita com amor”, garante Amparo. Carne assada e feijoada são os pratos favoritos de seus clientes que ganham, além do sabor, o afeto que começa desenhado nos corações do cardápio da semana.
Divulgação online, nova estratégia de negócios
Um espaço gratuito e importante para a divulgação de anúncios e famoso entre os mareenses é o grupo de Facebook “Bom Negócio da Maré – Rj”, com mais de 294,2 mil participantes. Ali, é uma grande feira virtual em que é possível encontrar diversas publicações diariamente com a divulgação de lojas, comércios, serviços, troca de produtos, venda e até aluguel de imóveis. Os moradores também aproveitam o espaço para pedir recomendações de produtos.
Rafaela França, moradora do Complexo do Alemão é empreendedora do Make in Favela e administradora do grupo junto com Joyce Gonzaga, cria da Maré. Rafaela passa tanto tempo na Maré que já se considera parte.
Administrar um grupo desse tamanho dá trabalho, literalmente. Rafaela admite que sua atividade online envolve publicações sobre empreendedorismo, filtragem de posts de golpe, moderação de participantes, fazer vídeos ao vivo de divulgação da feira, dicas para os comerciantes e muito mais.
“O Bom Negócio é o meu carro chefe de vendas. Acho que a gente tem que se ajudar e se apoiar. Por isso, além dos anúncios, fazemos até vaquinha em casos de saúde, por exemplo. Um trabalho de formiguinha, mas importante e que faz muito sucesso”, diz.
O nome do grupo é bem conhecido por todos, pois faz referência à antiga empresa de classificados online “Bom Negócio”, hoje comprada pela OLX. Criado em 2015, os anunciantes têm estratégia para publicação até no horário certo. As publicações à noite, por exemplo, ficam por conta dos restaurantes e comércios de lanche que fazem delivery em promoção para entrega dentro da favela e nos bairros do entorno. Grupos específicos para desapego e para venda e aluguel de casas no Conjunto de Favelas da Maré também bombam nas redes.
Seja na divulgação boca a boca ou pelas redes sociais, as oportunidades para conquistar os clientes continua sendo percebidas a partir da criatividade e da necessidade de empreender. A população dá o recado: é ativa na economia, demonstrando seu poder de compra e sua disposição para fazer investimentos.