Mais uma vítima da violência na cidade. Jeremias tinha apenas 13 anos
Maria Morganti
Jeremias Moraes, de 13 anos, estava jogando bola, no campo da Nova Holanda, na Maré, quando um Caveirão da Polícia Militar apareceu na esquina atirando. Para proteger-se, Jeremias correu para a casa de um coleguinha, que mora ali perto. A mãe do amigo ouviu quando Jeremias tocou a maçaneta. Ao abrir o portão, o choque: viu o corpo da criança no chão. Jeremias havia sido atingido nas costas por um tiro.
Naquele dia, 6 de fevereiro, terça-feira, favelas do Conjunto da Maré, como Vila do João e Vila do Pinheiro, Morro do Timbau, Conjunto Esperança, Marcilio Dias e Nova Holanda, amanheceram com a presença do BOPE, do Batalhão de Choque e do Batalhão Especial com Cães. Mas não acabou por aí. Uma outra incursão da Polícia Militar aconteceu. Tratava-se de uma denúncia sobre integrantes da corporação que teriam sido sequestrados por grupos civis armados. A “operação surpresa” não encontrou nenhum sequestro. Mas Jeremias estava ali, atingido.
Desesperada, pedindo socorro, a mãe do amiguinho de Jeremias gritou que era uma criança e só fechou o portão quando o blindado parou e recolheu o corpo. Jeremias foi levado para o 22º Batalhão, na Linha Vermelha, e colocado na ambulância do Corpo de Bombeiros para ser levado ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. Quando chegou lá, já estava morto. E, infelizmente, ele não é o único. Segundo dados do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, 42 pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos armados e 57 feridas por bala de fogo, no ano passado. Neste 2018, Jeremias foi a segunda vida perdida.
Um dos cinco filhos da auxiliar de serviços gerais, Vânia Moraes, 39, Jeremias cursava o Ensino Fundamental no CIEP Helio Smitd, no Parque Rubens Vaz, na Maré. Participou de inúmeros projetos da Redes de Desenvolvimento da Maré: “Programa Criança Petrobras”, “Nenhum a Menos”, “Mão na Lata”, além de ser frequentador da Biblioteca Lima Barreto.
Curioso, amante das Artes Plásticas e da Literatura, Jeremias era considerado bom de bola: “a alegria dele era o futebol, era craque, tinha habilidade” – contou Getúlio Cardoso, diácono da Igreja evangélica que ele frequentava com a família e que arcou com os custos do funeral.
Na Igreja, segundo Getúlio, ele dizia que queria ser um missionário na África, para evangelizar as pessoas. Na Nova Holanda todos concordam que ele era um menino calmo, doce e estudioso. Além da escola, já tinha feito capoeira, aula de música e oficina de fotografia. Entre os que conviveram com ele nessas atividades, educadores e crianças, a tristeza era generalizada. Mesmo com sol, a favela parecia cinza.
Luciene de Andrade, coordenadora da Biblioteca Lima Barreto, propôs que as crianças, abaladas, fizessem desenhos em homenagem ao amigo: “Jeremias, que você continue brincando aonde você estiver” e “Você é o maior pintor do mundo”. O primeiro desenho, com um campo de futebol, que era a grande paixão de Jeremias; e o segundo, em alusão a uma música evangélica que ele gostava de cantar: “Quem pintou o mundo? Quem escolheu a cor? Fez o sol amarelo, pôs o verde na floresta. E o vermelho em uma flor”.
O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios. A perícia no local foi realizada no dia seguinte à morte de Jeremias, resultado de uma articulação da Associação de Moradores da Nova Holanda com a Redes de Desenvolvimento da Maré, que acompanhou a equipe ao longo do procedimento. A família e as testemunhas também já foram intimadas a depor.