“Matar corpos negros sempre foi a lógica do Brasil, antes mesmo de sermos Brasil”. diz Luciano Góes, doutorando em direito na Universidade de Brasília (UnB).
Por Luiz Menezes(*), Daniele Figueiredo (*) e Hélio Euclides Editado por: Jéssica Pires e Jorge Melo
Foi um dia de resistência para os moradores do Conjunto de Favelas da Maré que acordaram nesta quinta-feira (11/08), com barulhos de tiros, carros blindados e helicópteros sobrevoando suas casas. Escolas, comércios, unidades de saúde e os mais diversos estabelecimentos se viram obrigados a fechar às pressas. Como forma de luta, nesse contexto de violação de direitos, aconteceu o segundo dia do 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública, no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda, onde se estabeleceu um movimento de diálogo para repensar a política de segurança pública atual.
A tarde o evento foi aberto com a mesa Territórios de Partilha: Racismo Estrutural e seus Impactos no Sistema de Justiça Brasileiro, que contou com a participação de Jadir Brito, professor do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lívia Casseres, Defensora Pública e doutoranda em direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e Luciano Góes, advogado e doutorando em Direito na Universidade de Brasília (UnB). A roda de conversa ainda contou com a mediação de Lola Ferreira, jornalista e repórter do UOL Notícias.
Patrícia Ramalho (36), assistente social e coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, explica que a realização do congresso em dia de operação é um ato de resistência. “Pensamos com a equipe que seria importante manter a atividade do segundo dia; estar presente na favela. Esse é o primeiro Congresso Internacional, estamos recebendo pessoas, convidados de outros países, de outras cidades do Brasil e isso é muito importante. O congresso é valioso por discutir segurança pública, com a apresentação de trabalhos, além de receber os próprios moradores que estão podendo participar, refletir e propor coisas sobre o que a gente pensa e sobre o que a gente quer para a segurança pública no Rio de Janeiro. A expectativa sempre é de um momento rico em discussões. Queremos muito receber as pessoas para discutir o que é racismo estrutural e quanto isso impacta, diretamente na violência do Estado.”
Pensando estratégias possíveis
Para Lívia Casseres (36), é necessário pensar como o racismo está presente nas estruturas jurídicas. “Temos a presença do racismo institucional tanto nos sistemas judiciário, quanto na defensoria. A estrutura da defensoria pública está fora das favelas e periferias. É fundamental pensarmos o direito e acesso à justiça numa perspectiva que não tenha essa cisão racial”, afirma.
Casseres atenta para a urgência de pensar o acesso à justiça para moradores de favelas e periferias, só assim ocorrerá a democratização do sistema. Para ela, a Defensoria Pública é a maior aliada nesse processo: “Acredito que a defensoria pública é a mais disponível para se reestruturar a partir da participação popular. Esse é o único caminho possível para pautar o judiciário e cabe a nós praticar política afirmativa, produção de conhecimento jurídico que foge dessa produção da branquitude”, finaliza.
Jadir Brito (52), complementou falando sobre a complexidade da justiça e aponta uma diferença nesse acesso. “Discutir segurança pública é muito amplo. Há muitas facetas a serem exploradas. O sistema de justiça na Zona Sul é um, na Maré é outro e na Zona Oeste também não é igualitário”, diz.
O professor universitário ressalta que é preciso discutir sobre segurança pública falando da realidade concreta. “Ao debater segurança pública precisamos pensar no direito real”, resume. Além disso, Brito coloca que é primordial pensar na inclusão dos moradores locais, população LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência nessas discussões sobre raça e direito.
A favela é a revolução
Para Lola Ferreira (29), jornalista e mediadora, a mesa elevou a discussão, apesar do assunto ser o pior possível. “A gente vê uma escalada de casos de prisões ilegais, sabemos qual é a realidade do sistema penitenciário brasileiro, que a maioria dos presos são pretos. Então precisamos discutir sempre esse tema, ainda mais em ano eleitoral, para entender quais caminhos a gente pode traçar para reduzir um pouco esse cenário. Reduzir um pouco essa máquina que a gente tem aí, que encarcera homens pretos, principalmente, de uma forma tão violenta e tão reiterada. Recentemente os casos que vem ganhando mais repercussão na mídia, que é o de reconhecimento fotográfico, é ilegal. Trazer essa discussão para dentro de um território como a Maré, com pessoas tão gabaritadas é muito importante. A mesa foi composta por pessoas que estão ali dentro do sistema judiciário o tempo inteiro, que trazem perspectivas de como pode melhorar; traçar estratégias e o que se pode cobrar das pessoas que a gente vai votar esse ano.”
“Nós estamos cansados de correr da polícia e da bala para não morrer”, exclama Luciano Góes. Segundo o advogado, a justiça é construída a partir de uma ideia da branquitude. “É necessário criar um modelo de democracia que não a da branquitude. Essa branquitude não quer igualdade. A garantia dos nossos direitos diz respeito à diminuição dos direitos dos brancos”, afirma.
Góes acredita que o projeto de embranquecimento do Brasil ainda está em andamento e isso se dá pela guerra às drogas. “A guerra contra as drogas sempre foi uma guerra contra as pessoas negras. Historicamente, essa criminalização vem desde o tempo do coronelismo, representada pelo código penal de 1890″. Um passo para mudar isso é a construção dos laços que acontecem dentro das favelas, no qual constroem um outro modelo de democracia”, finaliza.
Vania Silva (48), mulher preta e moradora da Maré, avalia com positividade a realização da mesa. “Foi muito importante para que pudéssemos ter noção do que podemos buscar. Para que a gente possa melhorar a justiça e combater o racismo estrutural e trazer para dentro da comunidade, através das políticas públicas, melhores condições”, avalia.
O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré termina amanhã (12/08), no Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda, próximo a Avenida Brasil, na altura da passarela 10. O evento traz como encerramento o debate com os pré-candidatos ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Para ajudar na reflexão, a mediadora Lola Ferreira indagou: “o que podemos cobrar das pessoas que a gente vai votar esse ano?”. Não esquecendo que são os governadores responsáveis pelo comando das forças policiais. O governador como agente político tem a obrigatoriedade de participar da Segurança Pública, suas ações se refletirão durante o comando das forças policiais.
(*) alunos da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias