Racismo pra quem?

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O TJ-RJ concluiu que não houve crime contra o jovem negro Matheus Ribeiro, que denunciou ter sido vítima de racismo.

Por Daniele Moura em 06/08/2021

A Justiça do Rio de Janeiro arquivou o inquérito sobre crime de calúnia contra Tomás Oliveira e Mariana Spinelli. O casal abordou o mareense Matheus Ribeiro e o acusou de roubar uma bicicleta elétrica. O caso ocorreu no dia 12 de junho (Dia dos Namorados), em frente ao Shopping do Leblon, na zona sul da capital fluminense. Na ocasião, o jovem negro gravou a abordagem e publicou nas redes sociais. A bicicleta de Mariana era parecida com a de Matheus, que chegou a mostrar fotos para provar que a bicicleta não era roubada, mas comprada.

Cinco dias depois, a Polícia Civil prendeu o verdadeiro ladrão: Igor Martins Pinheiro, conhecido como “Lorão”, um homem branco de 22 anos e com 28 anotações criminais, sendo 14 por furto de bicicleta.

Matheus disse que foi alvo de racismo: “Um preto numa bike elétrica? No Leblon? ‘Só podia ser, eu acabei de perder a minha, foi ele’. Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado deles, não importa o quanto você prove. Ela não tem ideia de quem levou sua bicicleta, mas a primeira coisa que vem à sua cabeça é que algum neguinho levou”, desabafou na época o jovem da Maré.

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Quando foi à delegacia, em junho, Matheus disse acreditar que a abordagem de Mariana e Tomás só tenha acontecido por ele ser negro. O jovem negou que tenha havido ofensas expressas de caráter racial, mas disse ter se sentido triste, indignado e com raiva porque o casal já chegou o “acusando” pelo furto e, em momento algum, disse que tinham acabado de ser vítimas de um crime. Mas o inquérito instaurado pela delegada Natacha Alves de Oliveira, que estava à frente da 14ª DP (Leblon), não considerou o crime de racismo e sim calúnia, apesar de Matheus ter ido à delegacia acusar o casal de racismo.

Em depoimento à polícia, o designer e a professora de dança negaram que tenham ido até ele “em razão da cor da pele” do jovem e disseram que teriam o mesmo comportamento caso se tratasse de uma pessoa branca. Em seu depoimento, o rapaz disse ter perguntado ao instrutor de surfe se podia testar a chave da namorada em seu cadeado, não tendo tido “sucesso”. Tomás relatou ainda que Matheus se ofereceu a mostrar fotos antigas em seu celular para provar que a bicicleta era sua, mas ele teria dito que não precisava.

Arquivamento do caso

O juiz Rudi Baldi Loewenkron, 16ª Vara Criminal, decidiu pelo arquivamento do inquérito que apurava a suposta calúnia cometida por Mariana Spinelli e Tomás Oliveira contra Matheus Ribeiro. O magistrado entendeu que os jovens foram levados a acreditar que estavam diante do próprio equipamento, não tendo havido dolo —  ou seja, intenção de imputar falsamente a ele um fato criminoso.

“Não se olvida a possibilidade de descuido por parte dos indiciados na abordagem de Matheus. Porém, como bem colocou o Ministério Público, faltou o elemento constitutivo do tipo falsamente para configuração de calúnia, vez que a semelhança da bicicleta, do cadeado, o local e o lapso temporal entre os eventos levaram os indiciados a acreditar que poderiam estar diante da bicicleta de sua propriedade. O crime de calúnia só se dá a partir do dolo, que ora não se vislumbra para configuração do crime imputado, o que, por certo, não afasta a possibilidade de responsabilidade civil pela acusação imprudente. Todavia, na seara criminal, o fato demonstra-se atípico, diante da ausência do tipo penal na modalidade culposa”, diz o despacho de Rudi Baldi Loewenkron, publicado nesta terça-feira, dia 3/08.

O advogado Bruno Cândido, que representa Matheus, postou em seu perfil numa rede social que “Racismo institucional é exatamente o funcionamento das instituições, conferindo, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios”. Esse caso diz muito sobre isso. Matheus nunca saiu da relação racial que o vitimou no plano individual e agora institucional. Onde você já viu a palavra do acusado convencer o Ministério Público sem investigação? A de Thomas e Mariana convenceram e a justiça arquivou o caso, entendendo não haver o crime de calúnia”.

Calúnia, racismo ou erro?

O juiz concordou com o arquivamento requerido por Lenita Machado Tedesco, da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial da Zona Sul e da Barra da Tijuca. No documento, a promotora afirma que as circunstâncias fáticas levam à conclusão de que Mariana e Tomás se dirigiram a Matheus no que se chama juridicamente de erro de tipo essencial, quando, em linhas gerais, não há conhecimento do cometimento de um crime justamente pela ignorância do tipo penal em questão. “(…) Faltava a consciência elementar do tipo falsamente, o qual, para a configuração de calúnia, exige que o agente saiba que a imputação feita ao sujeito passivo do delito é falsa, e, ainda sim, age dessa forma, o que não restou demonstrado nos autos”, justifica a promotora.

Racismo estrutural

Matheus não apresentou a Nota Fiscal de compra da bicicleta feite pela internet. Segundo a polícia, a bicicleta de Matheus tinha sido roubada e foi entregue ao primeiro dono. Até o momento, Matheus, alem de não ter tido o direito de uma investigação sobre o crime que foi vítima, ainda ficou sem seu meio de transporte.

Matheus foi capa da versão impressa do Maré de Notícias na edição de janeiro de 2019.

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