Rap: um estilo de vida para jovens de Marcílio Dias

Data:

Grupo de moradores encontra no estilo musical um meio de falar do cotidiano da favela

Por Hélio Euclides, em 09/04/2021 às 14h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Com uma batida rápida e acelerada e a letra que vem em forma de discurso, o rap geralmente fala das dificuldades da vida de seus compositores. Jovens de Marcílio Dias se dedicam a esse gênero musical como um grito de liberdade e um jeito de diversão. Com o objetivo de fazer a sua arte chegar a mais moradores, eles utilizam a internet para mostrar a rima carregada de desejo de mudança e esperança em uma sociedade melhor.

Anderson Jedai, poeta e morador de Marcílio Dias, destaca na favela o surgimento de uma nova geração do rap. “São dois meninos, o Lucas e o Ribeiro, que postam várias vivências sobre o cotidiano, os danos que a droga causa e outros temas relevantes da realidade, por meio das letras”, exalta. 

Com seis anos de rap, Matheus Ribeiro, o AR Baby, é cria de Marcílio Dias, mas morou dez anos em Vila Kennedy, na Zona Oeste, e lá descobriu o rap, na Batalha da Liberdade, que era um combate de rima. Com a pandemia, o artista deu novos rumos para o seu trabalho com o rap, criando, assim, um estúdio em sua casa, o Quarentena Rec. “Lá é onde eu organizo sozinho o processo criativo da criação do rap, com a composição, edição, produção e gravação. Tudo independente. Agora estou com a força do Davi, mais conhecido como Barretinho, que dá orientações profissionais”, comenta. O estúdio tem um canal no YouTube e no final de março, Ribeiro lançou um primeiro trabalho no espaço, o clipe chamado To tranquilim

O rap como trilha musical na vida

Lucas Dias, mais conhecido nas rodas musicais como Hanna, juntou o talento em redações e textos da escola ao rap, como um amor à primeira vista. “Sempre achei lindo cantar e escrever. Nunca fui focado em escrever letras, mas quando eu reencontrei o amigo de infância, o Ribeiro, que coincidentemente, tinha o mesmo sonho, e me deu mais pique para tudo. Escrevi meu primeiro rap sozinho, sem experiência nenhuma”, lembra.

No caminho da música, Hanna conta que encontrou outros amigos que o incentivaram. “Conhecia o Jedai, que me passou várias visões boas para o futuro, que eu só tinha que estudar e continuar trilhando esse caminho. Nessa estrada, conheci também o Barretinho, que é o meu empresário e que me ajuda no planejamento do meu primeiro clipe, observa. Nos anos 2000, Dias já escutava 50 Cent, Akon, Ne-Yo, Rihanna e outros precursores do rap e hip hop. Hoje ele fica contente por poder também ser uma voz nesse meio: “Não tem nada melhor que escutar uma música escrita e cantada por você.”

Apesar de muitos ainda reforçarem o estereótipo do rap, assim como o funk, ser uma música associada à criminalidade, para Hanna, o rap representa liberdade de expressão, uma forma de se juntar, criar força e bater de frente com a sociedade. “Representa amor, porque a música, o rap em si, me faz esquecer muita coisa que eu passo. Aqui na Kelson’s não vemos projetos voltados para a cultura, [e com a música] espero conseguir atingir um bom público. Mostrar que mesmo para um nascido na favela, filho de mãe solo, que a força da dedicação e da fé, é possível você seguir um rumo diferente do que é proposto para nós desde menor”, diz.

A pandemia acabou desanimando o artista, que teve de deixar alguns planos de lado. E foi ainda mais difícil pelas perdas familiares, em especial de um primo, que o ajudava sempre quando não tinha alimento. Ele espera que o rap venha a impactar a vida de muitas crianças e jovens que não tem expectativa nenhuma para o futuro. “Fizemos uma ação social para as crianças, com entrega de doces, pipas e máscaras para a prevenção do covid-19. Agora estou querendo separar um dia na semana para fazer o dia da cultura, com apoio do professor Walmir, com roda cultural, música, rimas na hora e poesias”, conclui.

Você sabia?

O rap é uma sigla que significa ritmo e poesia e surgiu na Jamaica na década de 1960. Este gênero musical foi levado pelos jamaicanos para os Estados Unidos, mais especificamente para os bairros pobres de Nova Iorque, no começo da década de 1970. O novo estilo agradou os jovens de origens negra e espanhola, sendo um meio de luta contra o racismo, violência policial e desigualdade social. O rap, através das letras e poesias cantadas pelo MC, é um dos elementos que formam o hip hop, junto com a arte (grafite), a dança (b-boys/girls), e a música (DJ).

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Casos de Tuberculose aumentaram em todo o Brasil e populações vulneráveis são as mais afetadas

No Brasil, a tuberculose esteve sob controle até 2017, mas nos últimos anos, os índices voltaram a aumentar. Segundo o Ministério da Saúde, o número de mortes de infectados passou de 2.720 mil em 2022 para 80 mil em 2023.

Migrantes africanos preservam a origem e criam novas expressões culturais na Maré

Dentro do bairro Maré, existe um outro bairro: o Bairro dos Angolanos. O local abriga a comunidade migrante no território que, de acordo com o Censo Maré (2019), conta com 278 moradores estrangeiros.

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.